A Ghost Story - Crítica
A Ghost Story é um longa de 2017 dirigido e roteirizado por David Lowery e é estrelado por Casey Affleck, Rooney Mara e Will Oldham. O enredo se inicia quando C. morre em um acidente de carro e volta como um fantasma invisível para observar a ex-esposa, M., lidando com o luto. Isso acaba dando gancho para uma trama muito mais profunda e complexa sobre as noções de memória, existência, legado (destaque pro monólogo do Will Oldham sobre a efemeridade de tudo onde ele dá um show de interpretação e nos faz chorar com a realidade sem ser niilista), mas principalmente, o tempo. Alias, boa parte do filme é dedicada a isso. Pois o tempo passa de uma forma diferente para o protagonista, como se décadas passassem toda vez que ele piscasse, fazendo dele um dos personagens mais interessantes de todo o cinema. E é genial como o filme explica isso ao espectador, mérito da montagem de Lowery.
O interessante é que o filme não lida com o protagonista como se fosse um fantasma específico. Ele lida como um fantasma qualquer, tanto é que ele é representado como a figura clássica do lençol com buraco nos olhos que não faz uso da linguagem verbal. Sendo assim, estamos à mercê de sua limguagem corporal e por isso é preciso qie foquemos o máximo possível nos mínimos detalhes em cena enquanto que o filme te convida a preencher aquela identidade que falta no protagonista com a sua pessoa, desafiando todo o seu senso de empatia para tentar desvendar os sentimentos do espectro, ou o porquê dele tomar certas decisões como assombrar a família que agora vive na casa onde morava.
A fotografia do Andrew Droz Palermo merece aplausos pela sua originalidade. Com um aspecto praticamente quadrado 4X3 com pontas arredondadas e a câmera completamente estática e afastada dos personagens em planos que se alongam até depois de dizermos chega, temos a impressão que estamos assistindo fotografias, e se não fosse o som, juraria em certas cenas que a projeção havia travado. Por falar em som, tanto a sua presença quanto a sua ausência são excepcionalmente trabalhados, e é incrível perceber que certos ruídos no qual o filme trabalha em cima, como o fantasma esfregando o buraco da porta com um último esforço de comunicação com a ex-esposa, é reutilizado na riquíssima trilha sonora, que vai da angustiante cacofonia de Daniel Hart, passando para clássica orquestral (inclusive, A Ghost Story faz o melhor uso de Beethoven desde “Laranja Mecânica”) e tem o seu ápice com uma indietronica e pop alternativo que gruda na cabeça.
As atuações são indefectíveis. Casey Affleck, enquanto vivo, faz um homem decidido e brincalhão que é muito apaixonado pela esposa, e depois que morre se torna um ser melancólico que desenvolve uma limguagem não-verbal própria da qual ele usa para se comunicar com outro espectro, e a conversa que eles têm não só é profunda, mas também muito triste. A Rooney Mara é a que faz a melhor atuação. Antes da morte do marido ela é apenas OK, mas depois do falecimento, ela acaba construindo um contraste com o protagonista, pois ela continua viva fisicamente, mas está morta por dentro. É assim que chegamos à cena mais memorável de 2017 no cinema: a amiga de M. deixa uma torta para ela pois se preocupa com o seu bem-estar, ela começa comendo tranquilamente, mas aos poucos aquela torta se torna uma metáfora para os sentimentos de raiva, dor, tristeza, angústia, desespero e solidão que a personagem sente devido ao luto dos quais ela desconta na torta. Tudo isso enquanto o fantasma do C. assiste ela com uma dor no coração que ele nem tem, mas que nós somos encarregados de sentir por ele.
A Ghost Story é único, diferente, intimista, imersivo como poucos, reflexivo, é capas de reconstruir as nossas noções de perda, da imensidade do tempo e da existência, é melancólico, é assustador, mas não no aspecto do terror. Não é um filme para todos, provável que o filme seja entendiante para muitos pois o diretor também testa a sua paciência. Nota 1000, é possível que seja o melhor filme do ano. Mas acho dificil a Academia lembrar dele. Parabéns pra A24 Films que está sendo novamente a melhor produtora de filmes do ano. E lembrem-se: ME DIVULGUEM.
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