sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

30 melhores filmes de 2018

30 Melhores filmes de 2018

   Se tornando um costume entre cinéfilos de todo o mundo, cabe aos mesmos montarem listas que justificam quais foram, para eles, os melhores filmes do ano. Conosco não seria diferente, assim os convido a tentar entender o meu ponto de vista sobre essa questão que todos os cinéfilos buscam, anualmente, responder.
   Pode-se dizer que os lançamentos de 2018 conseguiram seguir e suceder diversos padrões que compõem a mais diversa gama de escopos cinematográficos. Seja com diretores lançando filmes que sintetizam toda a sua filmografia ("Jogador Nº 1" do Spielberg, "The Image Book" do Godard e "A Casa que Jack Construiu" do von Trier), com filmes que testam os limites da própria estrutura ("Black Mirror - Bandersnatch" do David Slade, "Searching" do estreante Aneesh Chaganty e "The Other Side of the Wind" do Welles), com filmes implicitamente autodestrutivos ("Under The Silver Lake" do David Robert Mitchell, o próprio filme do Welles e "Ghost Stories" de Andy Nyman) e, meu escopo preferido, com filmes que exploram o novo conceito de gamificação do cinema ("Mandy" de Cosmatos, "Bandersnatch" e "Jogador Nº 1").
   É claro que não houve a possibilidade de assistir todos os filmes que poderiam configurar nessa lista. Ora por não termos recebido o screener, como "If Beale Street Could Talk" do Barry Jenkins, "Shoplifters" do Kore-eda, "Climax" do Gaspar Noé e "Suspiria" do Guadagnino, ora por mera ausência dos longas em grande circuito, como "Sol Alegria" de Tavinho Teixeira, "Grass" do Hong Sang-Soo e "Ash is the Purest White" do Jia Zhangke, tais longas só poderão compor a lista de melhores do ano em 2019. Assim, aproveitem a lista de melhores do ano presente.

Menções Honrosas

 

Trama Fantasma

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   Diferente das demais menções honrosas, "Trama Fantasma" não aparece aqui por quase atingir a mesma qualidade dos 30 melhores títulos, mas sim por ser um filme de 2017 que acabou não sendo visto naquele ano e poderia facilmente aparecer entre os 5 melhores daquele ano. A narrativa da relação entre criador e musa de Paul Thomas Anderson consegue exprimir sensibilidade em meio a tanta crueza disfarçada de elegância, tudo isso sob um ritmo conduzido pela excelente trilha sonora de Jonny Greenwood do Radiohead. Explorando um universo encantador que mostra como civilização pode ser barbárie de uma forma tão serena, "Trama Fantasma" acaba alcançando a máxima harmonia de todos os elementos em tela, representando, como disse na época, a definição de impecável.

Eighth Grade 

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   O longa de estreia do genial comediante Bo Burnham bate de frente com a última moda dos cineastas estreantes. Indo, na maioria das vezes, na contramão das convenções do coming-of-age, "Eighth Grade" consegue ser incrivelmente ácido apenas sendo realista. Por exemplo, batendo na tecla da constante performance que é realizada pelos jovens em redes sociais graças à massificação cultural idealista. Ainda assim, essa característica de imparidade que o longa proporciona se intensifica quando explora o comportamento dos adultos em relação a tudo isso. Burnham, com certeza, é um nome a ser acompanhado a partir de então.

The House That Jack Built

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   A eterna "persona non grata" de Cannes, Lars von Trier, tem prazer em chocar o espectador, sugerindo alegorias das mais grotescas a fim de jogar na cara do público o quão hipócrita ele consegue ser. Custando o que custar, seja por misoginia, mutilação ou sexo explícito, ele achará uma forma de te mostrar como você é podre por dentro e por fora apenas por ser humano e viver em uma sociedade. Tudo sempre com uma dose cavalar de arrogância, didatismo e, acima de tudo, um egocentrismo incrivelmente tóxico. "The House That Jack Built" é a síntese de tudo o que Lars von Trier conseguiu construir na indústria. Ao mostrar que qualquer um pode ser um assassino, o longa perturbador extrapola tudo o que já vimos antes na filmografia de von Trier, tudo isso com uma maestria técnica e narrativa que a maioria dos cineastas não saberia conduzir. Explorando a cultura pop a seu favor para estabelecer uma harmonia inicialmente desconexa com o caráter quase nulo do protagonista, ele acaba traçando paralelos com sua própria filmografia. A conclusão em relação ao título não poderia ser outra, aqui von Trier inveja Lanthimos, ao estabelecer tudo o que ele poderia ser mas não é por mera teimosia e saudosismo ao Kubrick. A conclusão geral abre portas a uma subjornada do herói dentro de um desconhecido diabólico de fins abstratos, fechando com chave de ouro uma tragicomédia sem escrúpulos. "The House That Jack Built" poderia ser muitas coisas, principalmente um desfecho para a própria carreira de von Trier, que não conseguirá atingir seu objetivo como cineasta tão precisamente depois desse filme. O longa também poderia facilmente estar no top 10 desse ano, se não fosse um filme tão odioso, mas eu não tenho o sangue frio e a imparcialidade de colocá-lo em uma posição tão alta. Por outro lado, julguei "Under The Silver Lake", cujo diretor falha ao expor a exploração do corpo feminino na grande mídia e acaba condescendendo com essa visão machista, como o segundo melhor filme do ano. O quão hipócrita eu sou com isso?

3º ato de "First Man"

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   Num geral, Damien Chazelle falhou ao sair de sua zona de conforto. Se distanciando de seus maiores sucessos, "Whiplash" e "La La Land", Chazelle se arriscou contar de maneira quase documental, através de Kodaks 16mm e 35mm, a jornada pessoal de Neil Armstrong até sua viagem na Apollo 11. Entregando nada mais do que um melodrama que não se encaixa ao que é oferecido pelos personagens irritantemente apáticos (com exceção de Jane Armstrong, vivida pela sempre excelente Claire Foy), em especial um hiperapático Ryan Gosling que parece buscar justificativas à atmosfera clínica das instalações da NASA e a paleta de cores frias de Linus Sandgren com o pretexto de um luto resumido em segundos de um choro silencioso do protagonista. No entanto, ao dispensar um purismo desnecessário desde o início, o desfecho contemplativo na Lua, filmado em IMAX digital, nos faz perdoar uma parte considerável dos erros anteriores.

1ª historieta de "The Ballad of Buster Scrugs"

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   Os Irmãos Coen têm uma carreira memorável, mas muitas das vezes morrem na praia. "Tha Ballad of Buster Scruggs" é dividido em 6 histórias que se divergem totalmente entre si. Sendo assim, compondo 6 universos diferentes a serem explorados. A morte na praia que eu me refiro se estabelece quando os irmãos Coen não explora 4 desses universos como devidamente merecem, escapando dessa armadilha somente a penúltima história e a história-título da qual falarei mais adiante. Relembrando "A Million Ways to Die in the West" do Seth MacFarlane, o segmento "The Ballad of Buster Scruggs" do longa homônimo quebra nossas expectativas do começo ao fim com a comédia negra do falso misantropo Buster Scruggs, o sabiá de San Saba. Convidando o espectador a abraçar o absurdo, tal trama consegue ser hilária pelo humor construído sem necessitar da desconstrução do gênero Western.

Top 30

30) Roma

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    Quase que em consenso, a imensa maioria dos críticos elegeram o novo longa de Cuarón como o melhor filme do ano. A questão é, discordo com todos pois, sendo um grande fã do Cuarón, esperava muito mais dele. Após 30 minutos de filme, "Roma" suspende suas intenções iniciais para um novo filme, agora muito mais sintético e virtuosista. O que deveria funcionar como homenagem à classe mais baixa, em especial à babá de Cuarón que aqui é representada pela protagonista Cleo, acaba se tornando um amplificador do ego de Cuarón, que a todo momento parece berrar "Obrigado, Lubezki, por me ensinar a fazer planos sequências lindos, mas sem nenhum significado". Ser esteticamente belo acaba se tornando o principal objetivo do longa a partir de então, estabelecendo a mensagem sobre desigualdade social apenas como apoio para as reais intenções de Cuarón. Todavia, "Roma" segue sendo um belíssimo filme com fortes temáticas e narrativa profunda, apesar de se perder por quase dois atos inteiros. Do ponto de vista técnico, é possível compreender quando o crítico Tiago Belotti fala que "'Roma' é uma aula de cinema", mas absurdamente abaixo do esperado.

29) Vingadores - Guerra Infinita

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   Além de um marco à própria cultura pop e a um gênero tão efêmero, a fusão de todo um universo em um único filme sem parecer desconexo acaba se tornando uma metáfora ao próprio estúdio. Passada uma década desenvolvendo seus personagens em filmes solo, não poderíamos esperar menos do que algo grandioso. Se tratando de MCU, imaginávamos que seria difícil nos decepcionar, mas nunca imaginaríamos que os Irmãos Russo entregariam algo de tal magnitude. O épico aqui é entregue em forma de uma luta impossível com diversos fronts de batalha. APENAS com 150 minutos, a Marvel, que costuma elaborar um extenso pre-plot para situar o espectador, teve que se reinventar e abandonar tal "burocracia", nas palavras de Arthur Tuoto. "Guerra Infinita" pode não ter o antagonista mais crível de todos, os diálogos mais maduros, ou pode não ter feito a melhor decisão em querer extender a história para algo incrivelmente duvidoso em questão de qualidade, mas em todas as suas duas horas e meia somos bombardeados por puro entretenimento àqueles que investiram 10 anos de espera desde que ouvimos "Sr. Stark" pela primeira vez em uma sala de cinema. É o blockbuster mais blockbuster desde a trilogia Batman do Nolan e a trilogia Bourne, mas diferente desses casos, nunca cede para as convenções clichês do formato, como a tal "burocracia".

28) Farenheit 11/9

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   Michael Moore volta à ação no tom mais crítico possível. Sem medo de sujar as mãos, seja no reservatório de água de Flint ou próximo às mediações da Casa Branca, Moore faz questão de não hesitar ao dar ao povo o que ele merece. Aqui ele não se mostra totalmente parcial como no resto de sua filmografia: mostra como ambos os partidos norte-americanos são demagogos e cruéis ao cidadão, denuncia os perigos da falsa democracia do sistema eleitoral dos EUA, investiga o próprio passado a fim de entender como funciona as mentes de Trump e Bannon, além de explicitar a decepção que Obama foi para a classe social mais numerosa do país. Em pouco mais de 2 horas, Moore encontra a melhor forma possível para mostrar que tem muito fantasma pra pouca ópera e que foi justamente uma dessas óperas (a mais improvável, ainda por cima) que colaboraram com a mais vil das epifânias dessa década. Com uma montagem hipnotizante e fontes confiáveis, tudo isso somado ao já notório misto de carisma com indignação de Moore, "Fahrenheit 11/9" é um dos melhores documentários do ano.

27) Animal Cordial

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   Um resumo da sociedade brasileira em um formato quase fabulesco, a partir de simbolismos que aparecem de forma quase que aleatório, comparando os 8 personagens a nada menos do que animais selvagens: o leão e sua eterna rivalidade com a hiena; um pavão que custa a sacrificar sua vaidade em troca de sua sobrevivência; grandes primatas que, assim como seus primos humanos, carrega seu instinto assassino até o túmulo; o abutre egoísta que fecha parcerias com bichos da pior espécie; e os ingênuos antílopes e zebras, sempre agonizando quando não são instantaneamente golpeados na jugular. Através de uma surpresa ao cinema nacional, essa alegoria tão única consegue se sustentar até o fim, utilizando-se de uma mise-en-scène que não tem medo de se emporcalhar, tudo isso sem acharem a necessidade se autoexplicar. O título, que se justifica com uma conclusão medonha, ainda que razoável, e acaba mostrando que o filme não poderia ser de outro jeito, apesar de ter um ritmo severamente lento na virada dos dois últimos atos, justamente quando o filme cede totalmente à alegoria.

26) Podres de Rico

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   2018 também foi o ano de representatividade asiática no cinema. "Para Todos os Garotos que já Amei" e "Podres de Rico" são os exemplos mais memoráveis e entre esses dois, o segundo é tecnicamente bem melhor. Uma comédia romântica definitivamente engraçada que se destaca pela sua direção de arte, figurino e um elenco de peso pode não acrescentar muito ao espectador, mas é uma excelente obra de entretenimento e poderia estar bem melhor colocada nessa lista se as protagonistas subitamente não mudassem de ideia em relação aos seus princípios sem nenhum antecedente que desse lógica a esse evento, como ocorreu de fato.

25) A Quiet Place

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   John Krasinski é, sem dúvida, um gênio quando se trata de timing cômico. Reconhecido até hoje por muitos apenas como o Jim do "The Office", poucos acreditariam que ele se daria tão bem como diretor de filme de gênero, muito menos filme de suspense. Os furos de roteiro são evidentes, falta muita lógica: por que os alienígenas não ouvem alguns barulhos específicos, como o carro sem puxar o freio de mão? Por que Lee e Evelyn parecem ser tão imprudentes com seus filhos já nascidos, como deixar o filho mais novo andar metros atrás dos pais na sequência inicial? Essas duas perguntas em específico, apesar de extremamente subjetivas, não tem suas respostas buscadas em nenhum momento e isso acaba comprometendo o filme, mas o suspense que o filme alcança é tamanho que consegue compensar algumas dessas falhas narrativas. Além disso, Krasinski e Emily Blunt são incrivelmente competentes com seus personagens, fazendo jus à pesada atmosfera distópica do filme, em especial na cena da banheira e da última cena com o personagem de Krasinski.

24) Pantera Negra

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   O mais importante filme do MCU em quesitos sociais e representativos pode não ser perfeito, com vários diálogos infantis, o uso de um CGI artificial e uma súbita interrupção na imensa celebração cultural com simples diplomacia corpotativa, mas certamente é algo a ser muito valorizado. Além de excelentes atuações de Chadwick Boseman como rei T'challa e Michael B. Jordan como Killmonger, o melhor vilão da Marvel por ser incrivelmente humano, com suas motivações sendo expostas desde o início que acabam falando mais alto por dizer verdades dolorosas sobre a desigualdade social de um local na maioria das vezes também ser a desigualdade racial. A estrutura narrativa também não fica atrás, se assemelhando bastante com a franquia 007. A assertiva direção de Ryan Coogler consegue juntar tudo isso de uma maneira muito elegante, dando até tempo de tela pro Andy Serkis, que aqui aparece sem sensores de captura de movimento no rosto desde..."De Repente 30".

23) Searching

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   Eliminando o medo recorrente das limitações narrativas que o desktop horror/thriller pode trazer à tona, "Searching" extrapola seus objetivos. O estreante Aneesh Chaganty entrega aqui um dos melhores suspenses policiais da atualidade a partir de um ponto de vista inédito, a tela de um computador. Surpreendentemente, ao contrário do que se espera de um formato que inicialmente parece tão limitador, os aspectos técnicos como montagem, direção de arte e fotografia não devem nada a vários outros títulos desta lista. Porém, o maior triunfo do longa está na capacidade de ainda assim conseguir imergir o espectador na trama, mesmo sob o constante aviso que o filme assumidamente nega te levar junto à ação direta.

22) Widows

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   Nasce, sob a direção do excelente Steve McQueen, um heist de qualidade com elenco feminino. Diferente do "8 Mulheres e Um Segredo", toda a ação aqui desenvolvida é levada a sério, dispensando a caricaturização do plano de roubo, como bem afirma Tiago Belotti, e piadas em relação à rotina das protagonistas que dificultam a execução do planejamento. Com tanta coisa em jogo, simplesmente não sobra tempo para relativizar e reduzir um cotidiano pesado que, sob os olhos da maioria dos diretores contemporâneos, acabaria virando alívio cômico. A construção do enredo que se inicia de forma intensa aos poucos se torna mais sutil e suave e, como isso acaba se traduzindo através do fechamento dos arcos dos personagens, é com certeza a melhor coisa do longa, mas não se pode dizer que o longa cumpre sua missão com excelẽncia. Desde um antagonista indubitavelmente intimidador vivido por Daniel Kaluuya, mas que não apresenta as convicções que justificam seu caráter, até trechos que foram inseridos apenas para forçar críticas sociais ao público, como a cena que apresenta o filho da personagem da Viola Davis (que inclusive está excelente, como sempre), McQueen perde o controle e cede a um segundo ato medíocre.

21) Hereditário

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   A crítica acima funciona como minha observação

20) Jogador Nº1

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   Provavelmente o maior tributo ao modismo oitentista que o audiovisual poderá conceber. Mesmo a mensagem principal do longa ser uma conservadora sobre comunicação, os 140 minutos acabam se tornando um resumo a tudo que nos remete à filmografia do Spielberg (exceto seus filmes), repetindo o feito de von Trier. Podendo facilmente funcionar como seu longa de encerramento, "Jogador Nº 1" recorre a uma usual construção pouco inventiva que, em sua execução, acaba revelando a maestria eventualmente esquecida de Spielberg. Assim como em "As Aventuras de Tintim", o CGI se torna seu maior aliado e aqui é trabalhado de forma incrível. Apesar dos planos longos na OASIS, que parecem se opor ao estilo Bay/Wachowski de lidar com tal tecnologia, o filme nunca fica virtuosista demais e isso acaba se provando uma das maiores virtudes do filme. Por outro lado, o raso desenvolvimento do universo que se constitui o mundo real acaba comprometendo muito do que fora mostrado até ali. Por sorte, Spielberg escapa de um de seus mais recorrentes erros: autosabotagem no 3º ato.

19) Mary Poppins Return

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   O remake de um clássico sempre desperta a atenção do público, principalmente quando arrisca-se tudo com um diretor medíocre como Rob Marshall. Felizmente, o resultado supera tudo o que Marshall havia feito, mas não é o bastante. A segurança ainda persiste na limitada visão de Marshall que decide copiar cada aspecto do original e isso acaba abrindo brechas para elementos desnecessários. Meryl Streep poderia ser cortada e seu tempo de tela, substituído pelo impressionante Dick van Dyke que faz a melhor participação especial do filme. Exclusivamente saudosista, o que salva verdadeiramente o filme é a fantástica Emily Blunt. Sempre muito presente e altiva, a personagem-título não poderia ser melhor interpretada por ninguém além dela, que assume com muita paixão a responsabilidade de encarnar uma entidade tão poderosa dentro do universo infantil. Com tamanho carisma, ela se sai muito bem na tarefa, exalando um enorme sentimento materno que os personagens mirins tanto carecem. Lin-Manuel Miranda também não fica atrás com um arco divertido e fazendo parte das melhores coreografias (estas planejadas e ensaiadas pelo próprio Rob Marshall), mas disso nada adianta se não ousar além dos mesmos elementos do original. Querendo ou não, o filme acaba se tornando um presente para matar a saudade aos fãs que tiveram o privilégio de assistir o primeiro filme na infância, o que me obriga a concordar com quem eu raramente concordo, David Ehrlich: "Para um filme que tanto insiste em celebrar o poder da imaginação, o último longa de Marshall usa pouco da mesma em exibição. [...] E para um filme sobre a alegria do escapismo, "Mary Poppins Returns" raramente te leva a lugar algum".

18) Mandy

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   O comentário acima sobre a importância de Mandy com relação à gameficação do terror justifica a minha escolha.

17) As Boas Maneiras

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   Marco Dutra e Juliana Rojas já haviam se fixado no cinema nacional de gênero com "Trabalhar Cansa", reconhecido em Cannes. Com "As Boas Maneiras", eles  indicam incrível potencial que o cinema nacional tem para o terror. A fábula urbana sobre Clara, contratada para ser babá do bebê prester a nascer de Ana, é capaz de chocar e emocionar qualquer espectador, às vezes ambas ao mesmo tempo. Subvertendo a clássica estrutura de três atos para duas metades, os diretores explicitam a inspiração do tailandẽs Apitchapong Weerasetakhul. A primeira metade, claramente superior à segunda flerta constantemente com o restante de suas filmografias: a mistura do cenário utópico e límpido da capital paulista com um humor ácido que o paranormal consegue proporcionar nesse longa lembram do musical de Rojas "Sinfonia na Necrópole", enquanto que referências de "Trabalhar Cansa" aparecem na semelhança de alguns enquadramentos e na nítida crítica sobre desigualdade social. As atuações são, ao mesmo tempo, a maior virtude e o maior problema do filme. Isabél Zuaa cresce ao longo da obra e Marjorie Estiano entrega algo único, mas Miguel Lobo transborda uma irritante artificialidade que vai piorando cada vez mais, chegando ao ponto de influenciar as atuações de quem aparece ao seu redor. As inserções animadas, por outro lado, só enriquecem a história, assim como os inesperados números musicais que indicam o fim do arcos principais.

16) Paddington 2

 

   A sequência de um dos filmes mais família de 2014 segue sob o mesmo comando, mas conseguiu consertar vários dos erros presentes no primeiro filme. Paul King aqui se mostra um conciliador de múltiplas tarefas, ao mesmo tempo que demonstra uma incrível habilidade em dirigir cenas de ação, expõe a um público majoritariamente infantil a realidade xenofóbica de um Reino Unido dividido pelo Brexit. Em meio a tanto caos, um urso imigrante, mesmo sendo vítima da tal realidade, mantém a cabeça erguida e ensina uma valiosa lição sobre enxergar o melhor das pessoas, mas sempre se mostrando mais maduro do que no primeiro filme. Isso acaba valendo para a produção como um todo, além do elenco, que se mostra mais elegante, maduro, bem menos caricato e, portanto, mais palpável (destaque pro Hugh Grant que é um vilão bem melhor desenvolvido e bem mais real do que Nicole Kidman como zoóloga psicopata no 1º filme), o salto estratosférico da qualidade técnica de um filme pro outro é evidente. O CGI, principalmente, é bem mais convincente, dando uma naturalidade inédita a Paddington, que porta uma comicidade física digna de Buster Keaton, claramente homenageado e algumas das cenas iniciais. Quem também parece ser homenageado aqui é Wes Anderson, que acaba se materializando pela paleta de cores saturadas, piadas inteligentes para um filme supostamente infantil e uma simetria clínica, tudo isso encaixando perfeitamente com a semi-diegese da trilha do Tobago and d'Lime. Infelizmente, um Deus Ex Machina compromete o 3º ato que arriscava ser tão impecável quanto os dois primeiros. Despretensioso e divertido em sua essência, possuindo memoráveis cenas de ação e nuances profundas sobre temas delicados, Paddington 2 tem de tudo um pouco para torná-lo inesquecível, mesmo que ceda para facilitações narrativas vergonhosas. Isso sem contar do roubo de cena do Hugh Grant e o crossover com "Shape of Water".

15) You Were Never Really Here

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   No longa mais recente da sistemática Linne Ramsay, o matador de aluguel Joe (Joaquin Phoenix) tenta manter os últimos traços de humanidade que lhe restou em um universo onde os fins sempre justificam os meios. A partir disso, Ramsay se inspira no cinema soviético para imergir o espectador ao máximo dentro da mente do protagonista e o produto é dantesco. Contemplação do suicídio, amor à família, ideais de justiça e amadurecimento pessoal não poderiam ter sido fundido de uma maneira que seja melhor do que isso.

14) Nasce Uma Estrela

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   Em um terceiro remake do clássico da Velha Hollywood, Bradley Cooper surpreende a todos, tanto pelos múltiplos talentos na direção e nos vocais, ambos sendo inéditos ao público. Superando a expectativa em todos os sentidos, ora com a excelente química entre Lady Gaga e Cooper que se desabrocha a partir de um gestual muito rico, símbolos do fascínio mútuo tão presente no original da década de 30 e no remake com a Judy Garland, ora pelos enquadramentos que muitas vezes exploram direção de fotografia e iluminação a favor de Ally, a estrela, sempre a deixando mais clara do que seu par (o mais notável fruto dessa técnica é a primeira apresentação de "Shallow", que pra mim é a melhor cena do ano empatatado com a cena do compositor em "Under The Silver Lake"). Este que, por sua vez, completa a antítese entre os dois através do personagem decadente até o fim de seu arco, filmado em um ambiente pouco iluminado. Para chegar nos fins de seus respectivos arcos, porém, a trama do casal perde sua qualidade no terceiro ato ao querer extender a exposição de um drama já nítido. Ainda assim, a abstração de sua obsessão por relacionamentos entre um homem e uma mulher, como o próprio Cooper constatou sobre o que seria "Nasce Uma Estrela", é fantástica.

13) Won't You Be My Neighbor

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   Após cansarem de verem o povo pensar em Fred Rogers como um personagem e não um ser humano genuíno, esta, que além de ser o melhor documentário do ano, também é uma das obras audiovisuais mais inocentes dos últimos anos, é uma magnífica homenagem ao maior ícone da televisão aberta dos EUA. O responsável pela obra não poderia ser ninguém mais que Morgan Neville, um dos documentaristas mais honestos e certeiros quando se fala de aglutinar relatos e entrevistas a fim de decifrar importantes figuras. Afinal, o documentário ganhador do Oscar "20 Feet to Stardom" tem sua assinatura, assim como meu filme favorito de 2018 (que pode não estar na lista dos melhores, mas é, sem dúvida alguma, o filme mais honesto do ano), "They'll Love Me When I'm Dead" sobre Orson Welles. Aqui Neville atinge a façanha de englobar quase 4 décadas da história contemporânea a partir do ponto de vista de um de seus colaboradores mais subestimados (em síntese, é similar a "Forrest Gump", só que mais verossímil). Desta forma, Neville mais uma vez atinge (e extrapola) seu objetivo de recontar a vida de quem fez muito a troco de quase nada, dessa vez um formador de opinião e caráter de praticamente duas gerações inteiras de norte-americanos em relação a temas como morte, igualdade, auto-estima e civilidade.

12) BlacKkKlansman

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   A crítica acima explica o porquê da escolha

11) Disobedience

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    Liberdade e fé, apesar de não ser um dos embates mais reproduzidos no cinema, já rendeu vários dos melhores filmes já feitos. Desde o maniqueísmo invertido retratado por Theodor Dreyer com "O Martírio de Joana d'Arc" (na minha opinião o melhor filme da história) e "Ordet", praticamente metade da filmografia do Bergman, "Wings of Desire" do Wenders e, mais recentemente, "Silêncio" do Scorcese. Mais uma vez esse tema é explorado, dessa vez por Sebastian Lelio (por quem botaria minha mão no fogo), que conta a história de um amor proibido na comunidade judaica londrina em "Disobedience". A partir do contraste de luz e sombra da fotografia de Danny Cohen, as nuances daquele universo sufocante consegue justificar as ações e o comportamento dos 3 protagonistas: a submissão de Rachel McAdams é palpável a partir do momento que percebemos como ela só consegue falar sussurrando, assim como a oportunidade que a personagem de Weisz teve de conhecer uma cultura menos fechada fez com que quando ela voltasse ao seu local de origem fosse vista como uma estrangeira; Dovid, encarnado por Alessandro Nivola, acaba se tornando uma metonímia para todo o contexto daquele patriarcado, mas, enquanto personagem, surpreende o espectador pela sua razoabilidade na resolução de problemas, como no início do 3º ato, quando ele encontra, através dos mesmos dogmas religiosos que poderiam ser interpretados como o oposto do que virá a ser seu pensamento conclusivo em relação a tudo o que está acontecendo. Tudo isso graças ao roteiro co-escrito por Lelio e Rebecca Lenkiewcz (roteirista de "Ida"), repleto de uma sensitividade que muitos podem assimilar a uma lentidão narrativa que acaba pecando pela falta, quando na verdade dialoga com os processos de aceitação, culpa e desejo dos trẽs protagonistas que enfrentam diariamente com uma liberdade que parece se opor às suas crenças. Esse casamento harmonioso entre atuações, fotografia, direção de arte (exclusivamente neutra no longa) e roteiro faz com que "Disobedience" chegue perto ao que "Trama Fantasma" foi em 2017, se não fosse pelas duas últimas e desnecessárias cenas.

10) Game Night

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   Como bem colocado pelo Harley Nascimento, "Game Night" é uma comédia tecnicamente impecável, o que é bem estranho ver isso em formatos menos extensos como longa-metragens em uma época de globochanchadas e produções Adam Sandler. Digo isso porque há tempos sitcoms como "The Office" e "Brooklyn Nine-Nine" se destacam pela montagem e pela fotografia, que acabam sendo um dos principais mecanismos colaboradores para o timing cômico do roteiro, o que também ocorre aqui, com planos sequências que não desvirtuam a ação, uma montagem dinâmica sem excedentes de cortes e uma direção de arte incrível, apesar de esquisita. A cereja do bolo pra fechar com essa mise-en-scène única fica com as atuações, que englobam um elenco de química absurda, incluindo a Rachel McAdams em seu maior papel cômico, superando sua eterna Regina George, Jason Bateman que não cansa a gente após tantos filmes sob a mesma interpretação de "Homem Neurótico de Meia-Idade" (não há termo mais preciso relacionado a ele quanto esse cunhado por João Pedro Faro) e Kyle Chandler, que nunca vi fazendo um filme de comédia e está muito bem, só senti falta da Chelsea Peretti que poderia fazer muito mais em um projeto desses, mas essa ausência não compromete o fato de ser uma comédia absurdamente engraçada com quesitos técnicos impecáveis que, acima de tudo, potencializam a temática e o roteiro hilário, até mesmo nas subtramas mais triviais, como a discussão de um dos casais. Vale destacar também que os créditos finais são memoráveis.

9) Guerra Fria

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   Eu não tenho tanta simpatia com o Paweł Pawlikowski, "Ida" não mereceu sua recepção pela apatia do enredo e das protagonistas, além de ser encenado de maneira que corrobore com o roteiro vazio, já "La Femme du Vème" é ridículo. Porém, ao ganhar o prêmio de melhor diretor em Cannes por "Guerra Fria", ele voltou a chamar a minha atenção e não me arrependi nem um pouco. A agradável surpresa que é "Guerra Fria" esbanja sua excepcionalidade por se diferenciar dos demais dramas que retratam o relacionamento do estilo artista e musa, como visto no ano passado com "Trama Fantasma" e "MÃE!". Dessa vez, sendo explorada a indústria musical, o universo não se limita a uma mera diferença na temática, mas a ideia que Paweł consegue abstrair e encenar de forma soberba é a dura realidade de que, dentro daquele contexto histórico-espacial, uma cantora não seria mundialmente reconhecida a não ser que tivesse alguma ligação íntima com um homem. Paweł consegue, com a ajuda dos protagonistas, vividos por Joanna Kulig e Tomasz Kot, recriar um relacionamento feito para acabar. Assegurado pelo diretor de fotografia Lucazs Zal (agora bem menos passivo do que foi em "Ida"), a ideia recebe as mais sutis dicas que vão de planos contemplativos de ruínas que certamente se associam ao relacionamento até a mudança de estado físico e mental que Zula se encontra nas vezes em que canta a música que se repete ao longo do filme, "Dwa sedurszka" e o plano mais memorável do filme inteiro que trabalha com o reflexo de um grande espelho, procurando explicitar (e até justificar) o que a sinopse diz com "fatalmente incompatíveis e, ainda, condenados um ao outro". Explorando isso ao mesmo tempo que foge do endosso de tal visão, o diretor nos surpreende quando nos dá esses pequenos sinais, em tom de denúncia ao machismo daquela sociedade: Zula utiliza dos mais diversos argumentos para se manter naquele relacionamento por ter sua carreira musical garantida e mesmo que se separem diversas vezes ao longo da trama, ela sempre voltará por não ter mais ninguém a recorrer, transformando tal necessidade na tragédia que sua vida se tornou. Em sua superfície exclusivamente romântico e, em suas camadas mais profundas, fortemente trágico, essa homenagem a duas pessoas importantes na vida de Paweł sem a necessidade de reafirmar suas habilidades com a câmera (mais uma vez sendo melhor do que o longa do Cuarón em algum aspecto), "Cold War" se arrisca frequentemente, mas acaba se sucedendo como a melhor tragédia romântica do ano.

8) O Outro Lado do Vento

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   A Morte de Sócrates feito por um cineasta. A narração em off de Bogdanovich no início do longa nos abre portas a uma memória para esse mesmo Bogdanovich, que aqui interpreta Brooks Otterlake, quem se diz apóstolo do veterano cineasta Jake Hannaford. Indo além do questionamento de saber se Welles aprovaria ou não o resultado final, do fato de ser um inesquecível exercício de descontrução, metalinguagem e crítico aos modismos da época; Welles (ajudado pelo tempo) consegue propor um dos mais belos exemplos de intertextualidade com a sétima arte. Uma das interpretações da pintura de Jacques-Louis David explica o porquê de um Platão idoso estar no mesmo recinto que Sócrates em seu leito de morte. Segundo essa interpretação, a pintura não se passa de uma memória de Platão através de outro ponto de vista, desejando voltar ao tempo para presenciar o suicídio com óleo de cicuta de seu mestre. Séculos mais tarde, "nos tempos de câmeras de celulares", o apóstolo (que inclusive diz isso na narração oficial) do que dizem ser "o Ernest Hemingway do cinema" apresenta sua dolorosa memória em forma de um desejo de reviver seus últimos momentos com seu mestre, além dos últimos momentos do mesmo, cujos quais Otterlake não pôde vivenciar. Enfim trazendo, dentro do próprio universo do filme, uma resposta para a pergunta de Charles Pister "Is the camera eye a reflection of reality or is the reality a reflection of the camera eye?"

7) Missão Impossível: Efeito Fallout

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   Christopher McQuarrie se porta como um maestro ao governar seu solista, Ethan Hunt (vivido por um Tom Cruise que se arrisca cada vez mais em troca do entretenimento de melhor qualidade), para concretizar as mais insanas proezas, montando o mais nobre casamento entre um roteiro que supera tudo o que veio antes na franquia e uma mise-en-scène que frisa o espectador da constante ação (destaque para o excelente uso de IMAX  na sequência aérea do salto HALO sobre Paris). Dispensando-se do maneirismo que de Palma construiu de forma elegante no 1º e tantos outros tentaram recriar, McQuarrie abusa de sua maior habilidade, o exercício do acaso. Não chamando tanta atenção com esse elemento desde seu premiado roteiro de "The Usual Suspects", em "Efeito Fallout", tanto com os diálogos entre a Ilsa e o Walker quanto as situações que Hunt se coloca, a sorte é uma força onipresente e assumida que nada promete em relação à segurança (diferente do falho uso do artifício nos 2º e 3º filmes da franquia, que acabou levando a uma conclusão ridícula aos seus respectivos vilões), mas sempre entrega ao espectador o melhor que poderia oferecer. O diferencial é que seu roteiro não se limita somente a isso, como o maneirismo pareceu decisivo para os digiridos por Woo e Abrams, quando na verdade é apenas uma base para um enredo envolvente e intrigante de uma negociação extremamente perigosa. Diante disso, McQuarrie aproveita para pôr em risco as morais de seus protagonistas, principalmente Hunt, que enfim acorda para o fato de que não viverá para sempre e terá alguma dependência de sua fiel equipe. Felizmente, os realizadores ainda se rendem a um misticismo que aquele universo pode nos oferecer, no qual Hunt e sua equipe frequentemente estão a um passo a frente da Morte, além de eventos relativamente sobrenaturais, como o repentino crescimento da barba do Henry Cavill na cena do banheiro.

6) Burning

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   Em meio a tantos outros exemplos de lançamentos sul-coreanos bem recebidos, que até poderiam estar nessa posição, Burning se destaca pela série de temáticas que culminam a um mistério maior do que si próprio. Desigualdade social, cobiça e ciúmes se chocam sob a visão de um diretor sem pressa, dando ao público tempo para a máxima apreciação de uma estética dúbia, ora reproduzindo à beleza noir que tanto o filme parece venerar, ora algo completamente vil (embora disfarçado de uma suprema elegância). Sua maestria acaba se revelando, totalmente, quando é percebido que o enredo não se encaixa completamente em nenhuma dessas estéticas, abrindo margem para simbolismos maiores que caberá ao espectador escolher se tudo o que está em tela é de fato o que todos estão vendo ou se a poética antítese entre insalubridade e imaculação da ambígua (porém sempre impestuosa) mise-en-scène de Lee nada mais é do que o ponto de vista imaginativo da sequência de eventos por parte do protagonista escritor. Essa contemplação do desenvolvimento pode parecer excessiva, mas é através desses inúmeros momentos que os tais simbolismos surgem, tornando as mais suaves (e banais) ações com uma carga de adrenalina semelhante à da cena do incêndio que o título sugere (um ótimo exemplo, além da cena de dança da Hae-mi, são as duas ocasiões que Jong-su e Ben fazem contato visual e este último dá um sorriso de uma pacificidade que se torna assustadora). Nisso, nos gratificamos em se perder a um mar de possibilidades. Em meio a um auge de atuação que não se passa de uma pantomima e um clímax que se revela a partir de um objeto tão cotidiano, um relógio de pulso, a conclusão da trama não poderia ser diferente: entregando uma estranha naturalidade a algo tão chocante, encerrando não só o quiprocó daquele triângulo amoroso, mas a alegoria mais elegante de 2018. Se apenas dispensassem certa subtrama...

5) Homem-Aranha no Aranhaverso

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   Uma experiência surpreendente. Desde um fan service nada modesto mas incrivelmente compreensível e razoável até as pautas de inclusão que a melhor animação do ano oferece (destaque para algumas rimas visuais com "Pantera Negra"), nada sintetiza melhor essa obra do que quando o excelente Renato Ferrante diz que Homem-Aranha no Aranhaverso nada mais é do que "Uma grande ode a tudo que existe do Homem-Aranha. Quadrinhos, filmes, desenhos, brinquedos e absolutamente tudo.". A sólida fórmula Marvel se manteve, Joseph Campbell segue sendo uma presença tão forte quanto a dos próprios criadores do herói, Ditko e Lee. O enorme diferencial está no uso de diversas técnicas de animação utilizadas ao mesmo tempo, trazendo uma dinamicidade nunca antes vista a um personagem que demanda tamanha elasticidade. Agora, se livrando do fator "orgânico" que o live-action trazia e dando mais espaço ao clássico formato dos quadrinhos, mesmo que em alguns momentos certos efeitos se tornem repetitivos (a única ressalva ao longa), além de uma comicidade magnífica que se perpetua entre todos os Homem-Aranhas (o melhor é o homem-aranha noir, diga-se de passagem).

4) Blindspotting

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   Em uma década onde filmes que se passam na cidade de Oakland exploram a riqueza de uma cultura urbana muitas vezes marginalizada e repreendida por um racismo enrustido e sistemático (como "Fruitvale Station" do Ryan Coogler, "East Side Sushi", "Licks", "Kicks" do Justin Tipping e "Sorry to Bother You"), "Blindspotting" acaba reunindo o melhor de todos esses elementos em forma de uma dramédia sensacional cujo diretor tem total controle dos signos poéticos que nos disponibiliza. Ao longo dos 95 minutos do longa, Carlos López Estrada nos apresenta uma realidade fascinante sob o ponto de vista mais dramaticamente competente possível. Transitando entre uma comédia inteligente ("man, I hate suspense, I don't even like suspense movies...Fuck Alfred Hitchcock...Fuck M. Night Shyamalan, he makes me nervous!") e um drama angustiante que toca com força nas feridas do espectador em relação às temáticas sociais mais delicadas. Nisso abro um breve parênteses sobre como dias antes de escrever esse comentário pensava se haviam feito a abordagem mais interessante em relação a essas temáticas ou só reproduziram a estilística que o Childish Gambino e o Kedrick Lamar propuseram nos últimos dois anos dentro da indústria musical; a verdade é que Estrada acaba sendo completamente original pela audácia, talvez a maior prova disso seja a cena do filho do Miles observando uma arma de fogo. Não desenvolvendo uma mise-en-scène totalmente original, Estrada opta por executá-la de maneira razoavelmente alegórica; Como não perde o rumo de seus signos, o que já havia sido dito anteriormente, tal execução concretiza uma elaboração fantástica que transita entre a angústia e o medo que, de certa forma, afirma o quão ínfima, apesar de intensa, é o longa em comparação á realidade que o diretor deseja mostrar (mais uma paráfrase da crítica do amigo Renato). Encerrando-se logo após a cena mais eletrizante (e uma das mais polêmicas) do ano, Blindspotting exercita a ideia do ponto-cego com que tanto se comunica a medida que os protagonistas redescobrem as condições que acompanham suas posições dentro daquela sociedade, fluindo em direção a uma conclusão genuína que sintetiza tudo o que o visceral cinema de Oakland veio construindo ao longo da década.

3) Deixe a Luz do Sol Entrar

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A crítica acima explica minha escolha

2) Under The Silver Lake

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   Hitchcock dizia que um filme deveria começar com um terremoto e então o estresse deveria aumentar continuamente, basicamente esse filme é uma aula de como fazer isso. Se assemelhando acmuitas outras obras, tanto clássicas quanto contemporâneas (destaque para "Southland Tales" do Richard Kelly), o diretor David Robert Mitchell logo apresenta o conceito que perpetuará durante as quase duas horas e meia de duração do longa: a derivação cultural. Hitchcock, por exemplo, está sempre presente de alguma forma, seja com sua "máscara da vida", sua enorme lápide, as transições suaves, a imponência urbana e a trilha sonora instrumental. Além disso, como não poderia ser diferente de qualquer outro filme hitchcockiano, seu suspense acaba bifurcando o plano narrativo em duas camadas que poderiam ser infinitamente exploradas, uma superficial e outra mais profunda. Foquemos na camada mais profunda, onde o suspense torna-se apenas veículo de algo muito maior que ainda não pude abstrair por completo, uma busca pelo real sentido da cultura por parte dos millenials que cresceram sendo cobaias de bombardeios de uma nova forma de mídia. O protagonista, então, mergulha num mundo onde o mais substancial acaba sendo, ironicamente, o mais efêmero. O realizador não se responsabiliza pelo seu material a partir daí, sempre recorrendo à já citada derivação como se fosse uma busca por easter eggs em um jogo. O resultado é uma grande homenagem à juventude contemporãnea que acabaram se tornando meros performadores das próprias vidas, mas nunca vivendo-as completamente. Por outro lado, também observa-se em tela uma admiração pelos grandes nomes da cultura clássica; A constante presença do observatório Griffiths como pano de fundo, mais ainda quando as estátuas de James Dean e Newton se mostram o rendez-vous do rei dos mendigos, a boate subterrânea com lápides de ícones da cultura ocidental e o cinema no cemitério comprovam minha hipótese. E, assim, após o uso abusivo de outro elemento da filmografia hitchcockiana, as pistas falsas, o suspense retorna na forma mais horrenda possível, the Owl's Kiss, podendo culminar, ou não, para o melhor clímax possível, uma ode à destruição dos planejadores de nossa alienação enquanto consumidores (A cena do compositor que eu citei na observação de "A Star Is Born"). Como dito anteriormente em relação ao caráter performático que nossas vidas se tornaram, estamos incluídos nessa parcela de planejadores, o que faz com que o filme, literalmente, exploda nossas mentes. A conclusão pode não ser a mais agradável nem a mais bombástica, mas é incrivelmente harmoniosa e competente em relação à sugestão que o filme prega em relação à sua autodestruição enquanto produto cultural. Mesmo discordando da audácia ao afirmar que esse filme é "La La Land pra quem não é um imbecil", mais uma vez devo citar o excelente colega João Pedro Faro quando diz que "Em algum lugar onde termina Road to Nowhere e o segundo ato de Blow-Up, Under the Silver Lake é o encontro do túmulo dos grandes artistas e da paranoia geracional". Uma pena que Robert Mitchell objetifique tanto as personagens femininas nesse filme.

1) First Reformed

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   Com um lento fade-in do ambiente composto de cores neutras que envolve a igreja, podendo-se notar um close na fachada branca da First Reformed quando a imagem já está mais nítida, acompanhado por sons cacofônicos da natureza desde o crocitar de um corvo até a fadiga humana, o célebre Paul Schrader busca mostrar que esse filme não é dos mais convidativos. Pelos próximos 110 minutos seríamos levados rumo a jornada mais bressioniana da década. A trama do reverendo cavinista que se afunda em uma crise existencial devido à sua fé e a hipocrisia de sua religião dialoga com tudo o que Schrader mais venera em relação ao cinema. O diferencial está na construção completamente honesta: absolutamente tudo, os plongées perpendiculares em relação ao chão, a iluminação que sempre põe o reverendo Toller em sombras e a paleta de cores quase que inteiramente neutra corroboram com o aspecto fúnebre e niilista de uma obra disposta a perguntar "Se Jesus tomou para si os nossos sofrimentos, por que ele nos permite sofrer mesmo quando sempre damos a outra face?" e outros questionamentos religiosos ao mesmo tempo que debate a noção sociopata do human of late capitalism enquanto completo ignóbil em relação à degradação do planeta. Não obstante, dentre um ultrarrealismo que invejaria até mesmo Paul Thomas Anderson e Linklater em seus dias mais sóbrios, Schrader faz uma brusca curva e entra em um campo metaestável de psicodelia com a cena do "Mystery Magical Tour", ainda mais optando-a como seu clímax. Além disso, ele abre brechas para possíveis diálogos com filmes mais recentes. Um exemplo disso é um possível diálogo com "MÃE!", considerando que pode-se traçar um paralelo entre a ação da humanidade sobre a Terra com a saúde do reverendo, além do mesmo escapar da morte com ajuda de uma mulher chamada Mary grávida de um menino. Se Schrader diz que pode-se encontrar tudo de cinema em "The Rules of the Game" do Renoir, arrisco dizer que o próprio Schrader repetiu o mesmo feito com "First Reformed". Sinceramente, não consigo imaginar melhor final para o encerramento deste blog.