Trama Fantasma - Crítica
Paul Thomas Anderson é um dos melhores cineastas dessa antiga/nova geração, que também convém inserir Aronofsky, os irmãos Coen, Tarantino e até mesmo o (agora não tão amado) Nolan, justamente por ele ter este poder de transformar as vidas mais desinteressantes possíveis, como a de um "homem do petróleo" do século XIX, um ganhador da loteria solitário ou de um seguidor de fanatismo religioso, em histórias que ninguém poderia sequer imaginar o quão interessantes elas poderiam ser. Seu novo filme (que até outubro do ano passado se chamava simplesmente "projeto não nomeado de Paul Thomas Anderson), "Trama Fantasma" é mais um destes estudos de personagem magníficos.
O longa conta a história de um costureiro renomado chamado Reynolds Woodcock que é cheio de TOCs e não possui as melhores habilidades sociais em uma Londres pós-guerra. Mas encontra inspiração em uma jovem garçonete chamada Alma que se torna sua musa e amante e isso acaba influenciando ambas as vidas de forma radical.
Este é um filme sobre detalhes. Nada que é disposto em cena está por acaso, de graça. Tudo tem um propósito, nem que seja nos mínimos detalhes. Não é a toa que TODOS estão elogiando seu design de arte, sua fotografia e, ainda mais importante para o enredo, seu figurino.
O que foi dito em relação a detalhes pode servir também para falar sobre desconforto. O filme possui de longe uma das melhores captações de som de todos os tempos. Isso porque o PTA realmente quis que o espectador visse o filme no ponto de vista de Woodcock (com relação às suas estranhezas e defeitos) e no ponto de vista de Alma (com relação à sua paciência e frustração) ao mesmo tempo. Logo, no caso de Woodcock ele preferiu utilizar o elemento do som para introduzir o personagem em uma cena fantástica que ditará o tom de praticamente dois terços do filme. Esta cena se passa no café da manhã na casa do personagem e tudo está em silêncio quando de repente Alma começa com ruídos ensurdecedores de talheres batendo em pratos ou em torradas, o que deixa Woodcock furioso. É aí que começa a aparecer aquela frase que se compõe de puro pleonasmo: "Daniel Day Lewis atuando bem".
Alma, por outro lado, é o total oposto de Woodcock, e talvez seja isso o que tanto chamou sua atenção para se inspirar nela (aliás, se considerado este ponto de vista, o filme não passa de um retrato, não muito realista, de antítese). Isto é, tirando o fato de ambos não possuírem as melhores habilidades sociais e por isso terem de ficar um bom tempo se encarando até um deles encontrar algum assunto, um se difere completamente do outro e isso acaba traçando conflitos que envolvem a frustração e o estresse no qual Alma se submete somente para agradar Woodcock quando na verdade ele só quer ficar sozinho pois está em processo criativo, e isso fragiliza cada vez mais a relação dos dois.
Entretanto, para nunca deixar a peteca cair (estou falando da capacidade que PTA tem de segurar nossa atenção), ele usa o velho truque de ser completamente imprevisível como veio fazendo em seus últimos dois filmes, "O Mestre" e "Vício Inerente", o que faz com que quando você começa cansar do que está em tela, ocorre algo que muda a direção do enredo e nos surpreende mais uma vez. Um ótimo exemplo são os vinte minutos finais, mas eu simplesmente não vou expô-los por questão de bom senso (apenas destacar o ótimo uso da imagem e do som para representar o sentimento de raiva).
Assim como o som, a trilha sonora tem um papel fundamental. Com uma mesma melodia 90% não diegética e vívida tocada na clave de sol do piano, que pode ir de melancólico à frenético em questão de segundos, o compositor Johnny Greenwood conseguiu muito bem traduzir a atmosfera do filme da forma mais simples possível, coisa que eu admiro e que raramente vejo (fora ele só consigo lembrar do Gustavo Santaolalla e de ALGUNS trabalhos do John Williams), ou melhor, ouço.
Sobre as atuações não há muito o que falar. Como já mencionado antes, Daniel Day Lewis está incrível, ele some dentro do personagem. Mas dizer isso é como dizer que água é molhada. Vicky Krieps é uma das melhores surpresas do ano fazendo, não só um ótimo trabalho com o corpo (muito incrível como ela vai mudando aos poucos sua postura e sua linguagem corporal para se adequar aos modos do companheiro), mas também impondo sua presença com diálogos que se tornam mais envolventes com ela. Lesley Manville faz a personificação do discreto. Com isso quero dizer que ela faz de tudo para não aparecer, e consegue. Tanto é que ela tem mais tempo de tela do que se imagina, o que faz de sua interpretação uma das mais únicas dos últimos anos.
"Trama Fantasma" é puro, ligeiramente divertido, esteticamente completo, utiliza todos os elementos possíveis para criar uma atmosfera atípica sem apelar para o horror ou para o caricato, é cativante em todos os sentidos e apresenta uma das premissas mais esquisitas já escritas, transformando-a em um rico retrato sobre o que pode ocorrer quando trabalho e vida pessoal acabam se fundindo. É impecável. Nota 10.
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