terça-feira, 19 de junho de 2018

Hereditário - Terror ou drama familiar?

Hereditário - Terror ou Drama familiar?

Hereditário, dirigido pelo estreante em longa-metragens Ari Aster, conta a história da família Graham que após a morte de sua matriarca passa a viver uma série de tragédias que podem, ou não, terem alguma ligação com as crenças da finada Ellen Leigh Graham.
A partir plano inicial, composto por um close-up em um dos cômodos da maquete da casa dos Graham, construída por Annie (Toni Collette), onde aparecerão os personagens de Alex Wolff e Gabriel Byrne (como aquele em Paddington), Aster já expõe o seu objetivo em identificar o mórbido no cotidiano e, em algumas vezes, no relacionado ao infantil. Não de uma forma extravagante e exagerada como na franquia "Premonição", mas quando temos aquela dúvida se realmente vimos um demônio caminhando pela sombra da quina escura da sala. "Hereditário" explora muito bem o famigerado frio na espinha.
Ainda assim, o longa aborda diversos temas não relacionados, necessariamente, com o terror. Desde dramas familiares até condições relativamente comuns como anafilaxia, o que explica a polêmica declaração de Aster em que ele disse que seu longa não se trata de um terror, mas sim de um acompanhamento sobre como um trauma familiar pode evoluir ao execrável. Apesar de eu reprovar essa nova cultura entre os diretores de sugerir como os espectadores devem interpretar o filme (Tom Ford com "Animais Noturnos" e Aronofsky com "mother!"), Aster não deixa de estar certo já que, de fato, "Hereditário" é um drama familiar envernizado com ocultismo.
Com Annie, por exemplo, nos primeiros 20 minutos do filme somos informados, com uma confissão dela no grupo de acompanhamento de luto da igreja, de sua infância traumática. De início esta informação parece irrelevante, mas aos poucos notamos certos padrões entre o que ela contou e o que está acontecendo no presente. Ainda assim certo ciclo não chega a ser tão identificável quanto em "MÃE!" já que, assim como em "Corra", você nuca teorizará o bastante para realmente saber o que vai acontecer até que aconteça. São estas incógnitas disfarçadas de animais, personagens secundários e objetos meramente decorativos que num futuro não muito distante se encaixarão de uma forma que o público jamais imaginaria que tornam esse filme o clássico instantâneo do terror que todos estão dizendo.
Outro fator que colabora com essa ótima recepção geral que o filme andou recebendo é o fato de Aster estar ciente de que o medo é relativo. Assim, seu roteiro explora diversas vertentes do gênero, desde os famosos jumpscares (aliás, a mixagem de som desse filme é excelente pois não só explora a cacofonia de uma forma extremamente perturbadora, como também é montada de uma maneira que há muito tempo não via, ou ouvia), passando pelo terror psicológico e chegando no limite do caótico gore inserido no dia-a-dia (anafilaxia é bem pior do que eu pensava) de "Premonição".
Tecnicamente o filme não apresenta nenhuma falha notável. A fotografia de Pawel Pogorzelski trabalha de forma excepcional um jogo de luz e sombra que ativa a imaginação do espectador, sendo o maior responsável pelo terror psicológico presente no longa. A montagem é extremamente competente quando opta por menos jumpcuts quando a tensão cresce, sabendo controlar um ritmo incrivelmente equilibrado para o gênero. Por fim, a direção de Aster se mostra excepcional para um estreante considerando que ele se mostra ciente de que o que ele criou tem potencial e aplicando esse potencial em diversas vertentes do gênero tanto no cenário quanto m seus atores.
Por falar na atuação, esta é provavelmente o melhor elemento da mise-en-scène do longa. Alex Wolff e Toni Collette me surpreendeu ao mostrar que às vezes a melhor escolha é surtar. Existem algumas cenas que eu pensava "se eles fizessem algo ponderado, equilibrado, mostrando que seus personagens permaneciam sãos, ficaria melhor do que o que estou vendo?" e sempre nessas horas chegava a conclusão que o jeito que foi mostrado em tela, com os personagens enlouquecidos, foi a melhor alternativa (ao menos dentro daquele contexto). Milly Shapiro é outra estreante e outra que me surpreendeu: apesar de não ter tanto tempo de tela assim, ela parece sempre estar presente devido à forma ímpar de como ela vive sua personagem. Gabriel Byrne de vez em quando quase que opera como antagonista da personagem da Toni Collette, mas essa relação conflituosa geralmente colabora com o crescimento da tensão. Ann Dowd me surpreendeu pela importância de sua personagem, que de início eu considerava quase que inexistente.
"Hereditário" já pelos 30 minutos rouba o posto de terror do ano de "A Quiet Place". Sua grande virtude está na grande variedade de terrores que o filme explora junto com excelentes interpretações e um pano de fundo identificável. Já a ótima direção estreante e aspectos técnicos impecáveis apenas reforçam estes fatos. Ainda deve existir uma alegoria com os insetos que eu não pude entender, quem sabe lendo o roteiro com calma, mas isso não interfere em nada. Nota 10.

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