Visages, Villages - Crítica
O que normalmente ocorre quando a maior cineasta mulher de todos os tempos decide lançar o provável último longa da carreira? A comunidade cinéfila inteira para pra assisti-lo. Esse é o caso da franco-belga Agnès Varda que ficou conhecida com os seus trabalhos desde a Nouvelle Vague e que agora se juntou com o muralista francês JR para dirigir um documentário sobre o potencial que o interior da França possui em haver histórias e pessoas extraordinárias.
O longa possui um tempo curto (90 minutos para ser mais exato) e por isso ele aproveita de forma soberba toda a sua duração. Desde a criativa animação da abertura inicial, passando pela introdução que acompanha Varda e JR em ambientes cotidianos somente para dizer que não se encontraram em nenhum deles (destaque para Varda dançando na balada), até finalmente engatilhar e começar a retratarem a riqueza na cultura dos pequenos vilarejos dos quatro cantos do território francês.
O que eu considerei mais legal na estrutura desse documentário é como ele nem sempre respeita as condições do gênero, criando uma linha muito sutil entre o que é ficção e o que é realidade (e ficção que eu digo é chegar ao ponto de fazer um trocadilho visual simplesmente por fazer, sem nenhuma função narrativa), o que poderia simplesmente estragar o documentário, mas Varda tem mãos de fada quando se trata em dirigir. Adicionando comentários dela e de JR sobre o que está sendo mostrado em tela e cenas totalmente fictícias, ela cria um certo tom de intimidade entre as pessoas/personagens do filme dela e nós. Bem provável que ela tenha se inspirado nos documentários do Martin Scorcese, pois ele faz praticamente a mesma coisa, só que com um ponto de vista bem mais técnico.
Outro aspecto do longa que se mostrou incrivelmente interessante é o poder que ela e JR têm ao tornar o pretensioso em despretensioso. Com isso eu quero dizer que o filme poderia muito bem ter caído no pedantismo que quase sempre ocorre na hora de introduzir certo elemento metalinguístico que se refere ás habilidades artísticas dos realizadores (cof...cof...Woody Allen..cof...Noah Baumbach. Oh, tosse), quando na realidade os diretores utilizam os mesmos para buscar a beleza visual que o filme falta, como os time-lapses da composição das colagens de JR. Destaque para um dos enquadramentos mais belos em documentários de 2017:
(Ignorem Varda e JR que estão em primeiro plano, a única imagem boa que eu achei foi de um making off)
Tudo isso é somado com a vida pessoal dos diretores e as ideias que um tem pelo outro, decupando ora a admiração mútua ora a frustração em relação às teimosias do outro. Um ótimo exemplo é quando Varda relaciona o hábito de JR utilizar óculos escuros com a personalidade de seu grande amigo, Jean-Luc Godard (este que até o momento eu pensava que já havia morrido), e essa assimilação dá gancho para o desfecho do filme que é simplesmente de cortar o coração. Não só por trazer novamente á tona a toxicidade da pessoa de Godard, mas também por apagar totalmente aquela linha sutil entre realidade e ficção já citada, criando um final melancólico e surpreendente mas que o espectador não faz a mínima ideia se aquilo aconteceu mesmo ou não.
Visages, Villages é lindo, original, poético e despretensioso ao mesmo tempo, e muito bem dirigido. Não é à toa que está indicado ao Oscar de Melhor Documentário e provavelmente ganhe (já que o favorito da temporada, "Jane", não chegou a ser indicado). Nota 10.
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