segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Maze Runner 3 - Crítica

Maze Runner 3 - Crítica


   Há 4 anos e alguns meses o segundo filme da saga Jogo Vorazes, "Em Chamas", entrou em cartaz. Apesar de uma recepção muito positiva em relação ao roteiro (que, se avaliado apenas como uma sequência e não como uma adaptação, é muito bom em relação ao primeiro, por exemplo), às atuações e aos efeitos visuais, eu não achei o filme tão bom quanto falavam. Isso porque muita coisa que é fundamental no livro ficou de fora do filme e muito coisa que está tanto no livro quanto no filme podia ter ficado de fora do mesmo. Este sentimento retorna com o dois últimos filmes da trilogia "Maze Runner", sendo o segundo uma decepção pois diverge de forma execrável do enredo dos livros e o último apenas uma extensão razoavelmente bem dirigida desta divergência da história.
   Após decidirem resgatar um membro do grupo da empresa CRUEL e falharem, os fugitivos do labirinto vão atrás da "Última Cidade" para buscá-lo e conseguirem viver em paz finalmente. Esta premissa até que funcionaria para uma trilogia de filmes que não se derivam de uma série de livros (o que é raríssimo hoje em dia, o exemplo mais recente que eu consigo lembrar agora é a trilogia do Toy Story que se encerrou em 2009), mas para a adaptação do terceiro livro da série escrita pelo James Dashner não só é inviável mas também absurda, cujo motivo eu já havia citado. Mesmo assim, o filme possui pontos fortes.
   A criação de mundo é simplesmente excepcional, conseguindo criar um equilíbrio entre o future-noir, que o diretor de fotografia certamente se inspirou no universo de Blade Runner, e a atmosfera distópica presente nos dois filmes antecessores. Entretanto, o design de arte interno é minimalista comparado à epicidade do exterior, o que poderia ser justificado em produções de baixo orçamento, como é o caso de praticamente toda a filmografia do Yorgos Lanthimos, mas que aqui não se explica, considerando que o longa teve um orçamento de 62 milhões de dólares (e que com certeza metade do mesmo se destinou à pós-produção que é indiscutivelmente a melhor parte do filme).
   O roteiro, se é horrível como adaptação, não chega nem perto de ser razoável. Apesar de ter um primeiro ato relevante e o desenvolvimento até que não muito instável, a conclusão possui várias partes que deixam o espectador na beira da poltrona, mas a grande maioria desses momentos acabam sendo desperdiçados com reviravoltas desnecessárias, deixando subtramas confusas e um tom exagerado de sentimentalismo que chega a beirar o patético, deixando NO MÍNIMO 10 minutos sobrando e que poderiam muito bem ter sido cortados pois não apresentam absolutamente nada senão clichês, como o discurso sobre a glória em recomeçar.

   As atuações são pelo menos melhores do que nos filmes anteriores. O Dylan O'Brien tem bem mais personalidade e infinitas camadas, fazendo com que seu personagem seja mais bem trabalhado em questões narrativas. A Kaya Scodelario faz, até onde eu sei, a melhor performance da sua carreira. Ainda assim, não é grande coisa, já que o roteiro não a ajuda nem um pouco, tendo apenas um diálogo digno de aplausos e um momento onde ela realmente convence quem ela interpreta (apesar de ser um momento muito desnecessário). O Thomas Brodie-Sangster está bem, ele consegue passar a ideia que ele e Thomas possuem um vínculo afetivo de dar inveja e tem o seu momento de brilhar. A Rosa Salazar interpreta uma personagem MUITO rasa, chegando a não evoluir nada de um filme para o outro, mas ela pelo menos possui certa relevância narrativa. O Ki Hong Lee dá o seu melhor, assim como o Will Pouter, e digo isso pois ambos que não possuem tanto tempo de tela quanto mereciam e mesmo assim fazem um ótimo trabalho. A Patricia Clarkson está inútil (LITERALMENTE, tanto é que tem uma cena cujo objetivo dela é LITERALMENTE estar imóvel, como que se fizesse parte da decoração do ambiente onde a cena se passa) e o Aidan Gillen, calculista e manipulador.
   "Maze Runner: A Cura Mortal" tem as suas virtudes, principalmente no campo visual onde até a computação gráfica passou despercebida, mas muitos defeitos em relação ao roteiro, chegando a ser um elogio dizer que o mesmo possui um enredo medíocre. Isso sem contar de algumas atuações superficiais e possuir um desfecho que até o espectador que viu todos os filmes vai se sentir perdido pois deixa muitas pontas soltas ao mesmo tempo que gasta muito tempo inserindo material vazio. Por fim, o excesso de explosões é irritante já que, não lembra a fama do modo de produção do Michael Bay, tem como objetivo representar a anarquia, quem sabe, o ludismo, o que faz destes fragmentos puramente gráficos uma tentativa de referenciar à "Clube da Luta" mas que não tem absolutamente nenhuma importância. Ainda assim, o filme não é o pior da saga. 5,5/10.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Trama Fantasma - Definindo "IMPECÁVEL"

Trama Fantasma - Crítica


   Paul Thomas Anderson é um dos melhores cineastas dessa antiga/nova geração, que também convém inserir Aronofsky, os irmãos Coen, Tarantino e até mesmo o (agora não tão amado) Nolan, justamente por ele ter este poder de transformar as vidas mais desinteressantes possíveis, como a de um "homem do petróleo" do século XIX, um ganhador da loteria solitário ou de um seguidor de fanatismo religioso, em histórias que ninguém poderia sequer imaginar o quão interessantes elas poderiam ser. Seu novo filme (que até outubro do ano passado se chamava simplesmente "projeto não nomeado de Paul Thomas Anderson), "Trama Fantasma" é mais um destes estudos de personagem magníficos.
   O longa conta a história de um costureiro renomado chamado Reynolds Woodcock que é cheio de TOCs e não possui as melhores habilidades sociais  em uma Londres pós-guerra. Mas encontra inspiração em uma jovem garçonete chamada Alma que se torna sua musa e amante e isso acaba influenciando ambas as vidas de forma radical.
   Este é um filme sobre detalhes. Nada que é disposto em cena está por acaso, de graça. Tudo tem um propósito, nem que seja nos mínimos detalhes. Não é a toa que TODOS estão elogiando seu design de arte, sua fotografia e, ainda mais importante para o enredo, seu figurino.
   O que foi dito em relação a detalhes pode servir também para falar sobre desconforto. O filme possui de longe uma das melhores captações de som de todos os tempos. Isso porque o PTA realmente quis que o espectador visse o filme no ponto de vista de Woodcock (com relação às suas estranhezas e defeitos) e no ponto de vista de Alma (com relação à sua paciência e frustração) ao mesmo tempo. Logo, no caso de Woodcock ele preferiu utilizar o elemento do som para introduzir o personagem em uma cena fantástica que ditará o tom de praticamente dois terços do filme. Esta cena se passa no café da manhã na casa do personagem e tudo está em silêncio quando de repente Alma começa com ruídos ensurdecedores de talheres batendo em pratos ou em torradas, o que deixa Woodcock furioso. É aí que começa a aparecer aquela frase que se compõe de puro pleonasmo: "Daniel Day Lewis atuando bem".
   Alma, por outro lado, é o total oposto de Woodcock, e talvez seja isso o que tanto chamou sua atenção para se inspirar nela (aliás, se considerado este ponto de vista, o filme não passa de um retrato, não muito realista, de antítese). Isto é, tirando o fato de ambos não possuírem as melhores habilidades sociais e por isso terem de ficar um bom tempo se encarando até um deles encontrar algum assunto, um se difere completamente do outro e isso acaba traçando conflitos que envolvem a frustração e o estresse no qual Alma se submete somente para agradar Woodcock quando na verdade ele só quer ficar sozinho pois está em processo criativo, e isso fragiliza cada vez mais a relação dos dois.
   Entretanto, para nunca deixar a peteca cair (estou falando da capacidade que PTA tem de segurar nossa atenção), ele usa o velho truque de ser completamente imprevisível como veio fazendo em seus últimos dois filmes, "O Mestre" e "Vício Inerente", o que faz com que quando você começa cansar do que está em tela, ocorre algo que muda a direção do enredo e nos surpreende mais uma vez. Um ótimo exemplo são os vinte minutos finais, mas eu simplesmente não vou expô-los por questão de bom senso (apenas destacar o ótimo uso da imagem e do som para representar o sentimento de raiva).

   Assim como o som, a trilha sonora tem um papel fundamental. Com uma mesma melodia 90% não diegética e vívida tocada na clave de sol do piano, que pode ir de melancólico à frenético em questão de segundos, o compositor Johnny Greenwood conseguiu muito bem traduzir a atmosfera do filme da forma mais simples possível, coisa que eu admiro e que raramente vejo (fora ele só consigo lembrar do Gustavo Santaolalla e de ALGUNS trabalhos do John Williams), ou melhor, ouço.
   Sobre as atuações não há muito o que falar. Como já mencionado antes, Daniel Day Lewis está incrível, ele some dentro do personagem. Mas dizer isso é como dizer que água é molhada. Vicky Krieps é uma das melhores surpresas do ano fazendo, não só um ótimo trabalho com o corpo (muito incrível como ela vai mudando aos poucos sua postura e sua linguagem corporal para se adequar aos modos do companheiro), mas também impondo sua presença com diálogos que se tornam mais envolventes com ela. Lesley Manville faz a personificação do discreto. Com isso quero dizer que ela faz de tudo para não aparecer, e consegue. Tanto é que ela tem mais tempo de tela do que se imagina, o que faz de sua interpretação uma das mais únicas dos últimos anos.
   "Trama Fantasma" é puro, ligeiramente divertido, esteticamente completo, utiliza todos os elementos possíveis para criar uma atmosfera atípica sem apelar para o horror ou para o caricato, é cativante em todos os sentidos e apresenta uma das premissas mais esquisitas já escritas, transformando-a em um rico retrato sobre o que pode ocorrer quando trabalho e vida pessoal acabam se fundindo. É impecável. Nota 10.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

The Cloverfield Paradox - Crítica

The Cloverfield Paradox - Crítica


   Depois de Death Note, a empresa de Streaming, Netflix, realizou novamente a façanha de arruinar uma das franquias mais adoradas de seu público jovem-adulto. "The Cloverfield Paradox" é uma "sequência" do segundo filme da saga Cloverfield, "Rua Cloverfield, 10", que, não só cai em todos os clichês possíveis que um longa-metragem pode se submeter, mas ainda consegue sair disparado (apesar de ter concorrentes fortes como "Passageiros" e "Independence Day 2") como a pior ficção científica dos últimos 10 anos (e talvez apenas atrás do desastre de "Battlefield Earth" de assumir o posto como a pior da história).
   O filme conta a história de uma equipe de astronautas que estão há mais de dois anos em uma estação espacial em busca de colocar em funcionamento um acelerador de partículas para que possa haver energia de graça para todos da Terra, já que os oito bilhões de habitantes do mesmo (a trama se passa em um futuro não tão distante) estão passando por uma crise de recursos. Porém, eles falham constantemente em tentar acionar o aparelho e quando conseguem, abrem uma fenda no espaço-tempo onde eles são expelidos para outra dimensão e todo o multiverso se altera.
   É quase que inacreditável a falta de capacidade que o produtor, J. J. Abrams, teve de, não só escalar os profissionais mais preguiçosos da indústria, mas também comprar o roteiro mais problemático de todos os tempos (parece que alguém conseguiu bater o feito de "Esquadrão Suicida"). Para se ter ideia, em termos visuais, que é algo que eu costumo apontar os pontos positivos, aqui até o grande monstro Cloverfield (que aparece somente nos TRÊS SEGUNDOS FINAIS do longa) está completamente deformado. A impressão que dá é que os designers de computação gráfica copiaram os Kaijus de "O Círculo de Fogo" e só adicionaram os pulmões no pescoço, que é a característica mais marcante do monstro.
  E esse é só o começo. Aos poucos, o filme vai ficando cada vez mais pavoroso, até chegar no ponto em que a bandeira do Brasil que aparece no macacão do astronauta brasileiro (que é interpretado por um ator porto-riquenho que força DEMAIS o sotaque) aparece de ponta-cabeça e o teclado QWERTY do painel da nave aparece invertido. Por fim, a fotografia é incrivelmente 100% estourada, abusando excessivamente de elementos como planos holandeses, contra plongées e câmera tremida até o momento em que o filme se torna nauseante (não que se diferencie muito do primeiro filme da franquia, mas naquele caso tinha toda uma razão para aquilo).
   Narrativamente falando, o filme é uma bagunça. Os diálogos extrapolam na auto explicação mais do que em "Interestelar" do Nolan, há um personagem que deveria funcionar como alívio cômico, mas apenas piora a situação e levam a lógica dentro dos conflitos pelos ares. Elementos sobrenaturais são simplesmente jogados na sua frente, estes dos quais nunca mais serão nem mencionados por qualquer personagem, já que estes nem sequer presenciam estes acontecimentos que deveriam ser, no mínimo, relevantes para a história. Há uma subtrama fraquíssima e dispensável que tem como base um caso de vida ou morte e é resolvido com uma mensagem de texto, e mesmo assim essa subtrama é o fragmento de qualidade menos diminuta de todo o filme. Por fim, o desfecho não só faz o espectador perder todas as esperanças que ele tinha na franquia, mas também deixa em aberto questões que nem sequer deveriam ter sido feitas pela simples razão de serem incoerentes.
Quem concorda que boa parte das falhas do filme é por conta desse braço, respira
   O casting é provavelmente a parte mais subestimada de uma produção, e aqui podemos ver que às vezes o diretor de casting pode cometer erros terríveis. Com um elenco de peso, contendo nomes como Daniel Brühl de "Adeus, Lênin", "Rush - O Limite da Emoção" e "A Dama Dourada" e a estrela asiática Ziyi Zhang que já estrelou "Memórias de Uma Gueixa" e "O Tigre e o Dragão", porém mal escalado, a indiferença em relação aos personagens é fatal para o entrosamento entre o mesmo, chegando ao nível de atores explodirem fora de hora, falarem um por cima do outro como nos primeiros ensaios de uma peça infantil, ou na simples falta de comprometimento que os atores têm porque, assim como o público, já desistiram do filme há muito tempo. Logo, os personagens que aparecem por menos tempo são, apesar de mal planejados, os mais bem interpretados, como é o caso do vazio capitão da estação espacial vivido por David Oyelowo de "Selma".
   Por fim, eu só gostaria de questionar por que decidiram inserir esse filme dentro do universo de Cloverfield (que nem está dentro do universo de Cloverfield, se for parar pra pensar) se não há praticamente nada que se refere aos dois filmes anteriores nele. Esse filme tem muito mais cara de "Prometheus" do que de Cloverfield. Melhor seria se aproveitassem essa péssima fase da franquia de Alien para soltar esse filme. Pois, dessa maneira, economizava muita dor de cabeça dos fãs da saga do monstro gigante (e da Netflix que está decepcionando cada vez mais após uma boa fase como produtora) que apenas queriam um desfecho decente para a personagem da Mary Elizabeth Winstead no último filme.
   The Cloverfield Paradox não só traz desonra ao nome de sua franquia de qualidade técnica questionável (como não esquecer a câmera na mão do primeiro filme?), porém muito bem feita, que é possivelmente a melhor da história em questão de marketing sendo usado para enriquecer a trama, mas também tenta inserir muito coisa em tão pouco tempo e acaba não dizendo absolutamente nada devido à péssimos tratamentos de roteiro. Tudo isso, se adicionado aos clichês mais tóxicos da indústria, como "jumpscares", narrações desnecessárias e o antagonista que só revela a verdadeira face nos 45 do segundo tempo, faz do filme uma das piores ficções científicas já feitas, além de trazer descrença para aqueles que puderam deduzir que haverá uma possível continuação. O que tenta salvar, mas não consegue tirar o filme da fossa é a campanha de marketing feita no último domingo durante o intervalo do Super Bowl e o elenco que, apesar de mal dirigido, tem experiência o suficiente para evitar que o filme se torne ainda mais desastroso. 1,5/10.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Visages, Villages - Melhor Documentário do ano?

Visages, Villages - Crítica


   O que normalmente ocorre quando a maior cineasta mulher de todos os tempos decide lançar o provável último longa da carreira? A comunidade cinéfila inteira para pra assisti-lo. Esse é o caso da franco-belga Agnès Varda que ficou conhecida com os seus trabalhos desde a Nouvelle Vague e que agora se juntou com o muralista francês JR para dirigir um documentário sobre o potencial que o interior da França possui em haver histórias e pessoas extraordinárias.
   O longa possui um tempo curto (90 minutos para ser mais exato) e por isso ele aproveita de forma soberba toda a sua duração. Desde a criativa animação da abertura inicial, passando pela introdução que acompanha Varda e JR em ambientes cotidianos somente para dizer que não se encontraram em nenhum deles (destaque para Varda dançando na balada), até finalmente engatilhar e começar a retratarem a riqueza na cultura dos pequenos vilarejos dos quatro cantos do território francês.
   O que eu considerei mais legal na estrutura desse documentário é como ele nem sempre respeita as condições do gênero, criando uma linha muito sutil entre o que é ficção e o que é realidade (e ficção que eu digo é chegar ao ponto de fazer um trocadilho visual simplesmente por fazer, sem nenhuma função narrativa), o que poderia simplesmente estragar o documentário, mas Varda tem mãos de fada quando se trata em dirigir. Adicionando comentários dela e de JR sobre o que está sendo mostrado em tela e cenas totalmente fictícias, ela cria um certo tom de intimidade entre as pessoas/personagens do filme dela e nós. Bem provável que ela tenha se inspirado nos documentários do Martin Scorcese, pois ele faz praticamente a mesma coisa, só que com um ponto de vista bem mais técnico.
   Outro aspecto do longa que se mostrou incrivelmente interessante é o poder que ela e JR têm ao tornar o pretensioso em despretensioso. Com isso eu quero dizer que o filme poderia muito bem ter caído no pedantismo que quase sempre ocorre na hora de introduzir certo elemento metalinguístico que se refere ás habilidades artísticas dos realizadores (cof...cof...Woody Allen..cof...Noah Baumbach. Oh, tosse), quando na realidade os diretores utilizam os mesmos para buscar a beleza visual que o filme falta, como os time-lapses da composição das colagens de JR. Destaque para um dos enquadramentos mais belos em documentários de 2017:
(Ignorem Varda e JR que estão em primeiro plano, a única imagem boa que eu achei foi de um making off)
   Tudo isso é somado com a vida pessoal dos diretores e as ideias que um tem pelo outro, decupando ora a admiração mútua ora a frustração em relação às teimosias do outro. Um ótimo exemplo é quando Varda relaciona o hábito de JR utilizar óculos escuros com a personalidade de seu grande amigo, Jean-Luc Godard (este que até o momento eu pensava que já havia morrido), e essa assimilação dá gancho para o desfecho do filme que é simplesmente de cortar o coração. Não só por trazer novamente á tona a toxicidade da pessoa de Godard, mas também por apagar totalmente aquela linha sutil entre realidade e ficção já citada, criando um final melancólico e surpreendente mas que o espectador não faz a mínima ideia se aquilo aconteceu mesmo ou não.
   Visages, Villages é lindo, original, poético e despretensioso ao mesmo tempo, e muito bem dirigido. Não é à toa que está indicado ao Oscar de Melhor Documentário e provavelmente ganhe (já que o favorito da temporada, "Jane", não chegou a ser indicado). Nota 10.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Com Amor, Van Gogh - Crítica

Com Amor, Van Gogh - Crítica


   Uma co-produção entre Reino Unido e Polônia sobre os motivos por trás da morte do "pai" da arte moderna é também a animação mais inovadora de 2017 sendo o primeiro longa-metragem inteiramente pintado à óleo (não é à toa que a animação ganhou o prêmio de audiência da última edição do Festival de Annecy).
   O filme conta a história de Armand Roulin, filho de uma das pessoas mais retratadas nas pinturas de Van Gogh e um velho amigo seu, Joseph Roulin, e sua procura pelas motivações de Van Gogh à sua tentativa de suicídio seguida de um lento processo de morte enquanto precisa entregar a última carta escrita ao pintor para a família de seu irmão, Theo.
   Este é um filme que não está preocupado se o público entenderá facilmente o que está em tela. Com diversas ambiguidades que tornam o filme ainda mais rico (uma pena que praticamente todas elas revelam o final do longa e por isso eu não discutirei sobre as mesmas) e um monótono, porém eficaz, uso do efeito Yojimbo que perdura toda a uma hora e meia de duração; eu, de vez em quando, pude me ver perdido dentro do enredo.
   Para que a animação captasse movimentos mais fluidos, o que deve ser bem mais difícil com pintura à óleo, o filme traz de volta a técnica que não se via desde o (no mínimo) estranho "O Homem Duplo" de 2003 feito pelo Richard Linklater, a chamada "Rotoscopia". Ou seja, o filme inteiro foi rodado primeiramente em live-action com os atores de verdade e depois foi pintado por cima, quadro por quadro, um total de 65000 frames (ou devo dizer pinturas?), o que traz um ar de realismo ao filme devido à fluidez dos movimentos dos personagens. Mas o mais incrível de tudo, sem dúvidas, é o fato de que os 125 artistas que participaram do projeto fizeram questão de pintar todos os quadros com a mesma técnica que Van Gogh pintava.

   E justo por optarem pela Rotoscopia como técnica de animação, é preciso ver a atuação dos atores junto com o trabalho de voz. Robert Gulaczyk faz um Van Gogh bipolar, perturbado e depressivo que vai até o fim com a sua paixão pela arte apesar de ser um gênio incompreendido. Como muitas de suas cenas não tem falas, ele demandaria de uma expressividade facial muito grande. Infelizmente, o processo rotoscópico tirou parte de sua interpretação neste aspecto. Douglas Booth está em seu melhor trabalho. Ele consegue passar, diferente de Gulaczyk, todo o ar de curiosidade que seu personagem tem e a sua desconfiança em relação às pessoas da cidade na qual o filme se passa. Jerome Flynn consegue demonstrar que é um homem vivido e que entendia pelo que Vincent passava. Infelizmente ele tem a sua grande cena no terceiro ato, e é uma cena que revela muito sobre o filme. Saoirse Ronan aparece pouco, mas como sempre, está incrível. Por fim, Eleanor Tomlinson consegue roubar a cena mesmo carregando um alto tom de subjetividade em sua personagem, o que é bom, mas é devido à ela que o filme tenha momentos que nem todo mundo conseguirá entender.
   "Com Amor, Van Gogh" é belo, sério, inovador e intrigante ao buscar ao máximo dar mais perguntas do que respostas, mas pode ser lento e esquisito para muitos. 9.7/10

sábado, 27 de janeiro de 2018

O Destino de Uma Nação - Como um filme se torna decepcionante?

O Destino de Uma Nação - Decepcionante


   O novo filme do Joe Wright (diretor citado em minha última crítica: Orgulho & Preconceito - Sugestão Netflix) que conta a história do primeiro mês de Winston Churchill como primeiro-ministro inglês através de seu ponto de vista era promissor, principalmente após serem reveladas as suas 6 indicações ao Oscar 2018. Mas se mostra narrativamente razoável durante dois terços do longa até descarrilhar de vez no ato final. Mas vamos por partes.
   Sinceramente, não há nada do que reclamar do visual do filme. O design de produção é na verdade uma das únicas virtudes do filme. Pois apresenta um detalhismo aguçado e curioso em TODAS as cenas. O mesmo pode ser dito da direção de fotografia, que brinca com a iluminação e os ângulos de modo que da primeira até a última aparição de Churchill em tela, ele seja mostrado como um ser sobre-humano, mítico. Seja com contra plongées ou planos filmados apenas em contra-luz. Isso sem falar das transições magníficas que fazem um uso consciente de CGI para criar metáforas sobre o que a 2ª Guerra fez aos ingleses.
   O roteiro poderia ser pior. Que bom que não foi pois ele é naturalmente danificado. O escritor Anthony McCarten, embora não tendo uma longa carreira como roteirista, parece se especializar cada vez mais em cinebiografias de peso sobre grandes figuras da Grã-Bretanha, tendo como seu trabalho mais notável até então o roteiro de "A Teoria de Tudo", filme que conta a história do astrofísico Stephen Hawking. A verdade é que o roteiro do mesmo serviu apenas para engrandecer o ator que interpretava a figura magnífica cuja história de vida acabou se tornando um segundo plano para um melodrama barato sobre esclerose múltipla (não que eu não julgue a doença como algo sério). E com Churchill ele comete o mesmo erro, passando a impressão de que ele apenas ambiciona o número de prêmios que o elenco levará para casa. Seja com os monólogos entonados com uma auto-confiança gritante que, apesar de serem incríveis, não apresentam nenhuma surpresa para a plateia pois todos que tiveram boas aulas de história sobre a 2ª Guerra sabem de cor os fatos, seja com diálogos totalmente superficiais, e alguns ridículos de tão fictícios (cof...cof...cena do metrô), que tinham a intenção de fazer uma alegoria mas acabam sendo usados apenas para tentar cobrir a grande lacuna no fim do segundo ato onde praticamente não tem história.
   Assim como o visual, as atuações fazem você relevar as falhas do roteiro (exceto a Lily James, que apesar de não estar necessariamente ruim, traz vida a uma personagem completamente descartável). Kristen Scott Thomas está muito bem como a mulher de Churchill, mas seus diálogos acabam sendo um empecilho para o seu talento já que em vários deles ela apenas aparece para jogar uma informação no ar da qual nunca mais será citada. Ronald Pickup aparentemente já sabia que o filme praticamente não levaria a sério a situação de uma Inglaterra encurralada por todos os lados (mais um defeito do filme. Ele não está interessado em trazer ao espectador qualquer emoção em relação à urgência que o exército inglês passava em Durkirk) e abraçou a vilanização que seu personagem, Neville Chamberlain, recebeu. Ben Mendelsohn é um dos únicos que não caiu na patifaria de McCarten e aqui entrega sua melhor performance como Rei George VI, talvez sendo ainda melhor do que a atuação de Colin Firth em "O Discurso do Rei". Finalmente, Gary Oldman mergulhou de cabeça nesse personagem, mas diferente de seus outros papéis onde ele "desaparece dentro da pele dos personagens"* onde apenas a caracterização física é evidente (em "O Destino de Uma Nação" ele se encontra por baixo de muita maquiagem), aqui até a atípica dicção de Churchill, o beiço pra frente quando fuma um charuto, a gagueira repentina quando se perde nas palavras em discursos no parlamento e as expressões faciais quando está sob o efeito de álcool são delicadamente reproduzidos. Em resumo, Oldman salva o filme de ser um desastre. Nós millenials o conhecemos melhor no papel de Sirius Black da franquia Harry Potter. Então, sabem o Sirius Black, veja como ele está hoje. Já se sente velho?

   "O Destino de Uma Nação" é de longe é o mais fraco dos filmes que apareceram a partir de 2010 que buscam recriar um Universo Estendido do Reino Unido da década de 40 (como "O Discurso do Rei", "O Jogo da Imitação" e o recente "Dunkirk") pois busca inferir um tom de misticidade à uma das maiores figuras do século XX, e isso acaba sendo desastroso, não só no desenvolvimento dos personagens coadjuvantes que se tornam "escadas" para o protagonista, mas também na história em geral com "liberdades criativas" que o roteirista propõe, o que dá um certo receio aos cinéfilos que reconhecem que os próximos trabalhos do mesmo serão adaptações de biografias de Freddie Mercury e John Lennon, mas é um dos filmes mais belos de 2017 em aspectos visuais e traz uma das melhores performances masculinas do século 21. Ainda assim, não dá para entender a decisão da Academia de incluir este filme na lista de indicados para Melhor Filme de 2017. 6.7/10.

*Frase de Pablo Villaça

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Orgulho e Preconceito - Sugestão Netflix

Orgulho & Preconceito - Sugestão Netflix


   Uma das melhores adaptações literárias para o cinema está disponível na Netflix. Farei hoje uma breve análise sobre o filme para explicar o porquê do longa de estreia de Joe Wright (que está em cartaz atualmente com "O Destino de Uma Nação") merecer o título acima.
   Tecnicamente, o filme não é perfeito. Apesar de seus méritos nos figurinos que, segundo especialistas, são dignos de seu tempo, e na direção de arte (ambas sendo impecáveis graças às descrições metódicas que Jane Austen faz em boa parte da peça literária cujo o filme é inspirado), a direção  e a fotografia que insistem em exceder irritantemente o uso de close-ups manipulativos e um recurso totalmente incoerente de tracking shot, a famosa câmera tremida. Com incoerente eu quero dizer que não combina nem um pouco com a ambientação histórica, já que esse recurso é normalmente usado para dar um aspecto de documentário ao filme, mas este se passa na era vitoriana, quando certamente não haviam nem inventado o cinema ainda. Por outro lado, nem a edição nem o som apresentam falhas alarmantes.
   O roteiro é muito bem escrito. Não achava que alguém pudesse condensar toda a história do livro em duas horas sem afetar o ritmo e a coerência dos fatos, já que em algumas versões do romance, a narração é feita tanto em primeira quanto em terceira pessoa, mas a escritora Deborah Moggach me provou o contrário adaptando diálogos que ficam à altura aos do original, seja em vocabulário ou na entonação afiada que cada personagem recebe. Isso dá gancho para falar sobre outro ponto do filme: as atuações. Casting é uma arte. Saber qual ator/atriz escolher considerando o seu currículo, o talento natural e a percepção de uma futura identificação entre o personagem e o ator antes mesmo deste. Jina Jay, que foi a mesma diretora de casting de diversos filmes do Spielberg, como "Munique" e "Cavalo de Guerra", faz aqui, em minha opinião, o seu melhor trabalho juntando os melhores artistas para viverem na pele de vários dos personagens mais famosos da literatura britânica. Destaque para a brevíssima, porém incrível, atuação da Judi Dench como Lady Catherine de Bourgh que rouba a cena no terceiro ato.

   Orgulho & Preconceito é uma ótima adaptação, possui planos e atuações memoráveis, e não é nem um pouco cansativo. Mas não respeita a ambientação ao tentar inserir uma (falha) interação mais intíma entre a câmera e os personagens que já estava no ponto com os suaves, porém belos, travellings pelos cenários. Assistam enquanto podem pois a Netflix tirará o título do catálogo no momento em que perceberem que o filme não é assistido. 8.6/10.