sexta-feira, 30 de março de 2018

Jogador Número 1 - Spielberg volta à sua melhor forma

Jogador Número 1 - Spielberg volta à sua melhor forma

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   "A comunicação é a chave do sucesso". Esta frase, derivada de uma célebre citação do autor americano Paul J. Meyer, esteve muito presente em minha vida durante um ano, e foi nela que pensei durante toda a exibição do novo filme do maior diretor de blockbusters da história, Steven Spielberg (que dispensa apresentações), "Jogador Número 1".
   Em 2045, a civilização humana se tornou um lugar difícil para muitos, já que houve um forte aumento na desigualdade social. Para isso, foi criado por James Halliday, um programador introvertido, todo um universo virtual para onde as pessoas fugiriam da dura realidade. Com sua morte, são propostos três desafios para os usuários desta rede, a OASIS, e o primeiro que cumprisse os três seria o novo dono da mesma e o jovem da periferia de Columbus, Wade, é um dos vários que estão atrás da recompensa.
   Voltando para a citação de Meyer. Apesar do filme, assim como o livro homônimo no qual o longa foi baseado, falar sobre uma realidade virtual, um campo muitas vezes associado ao isolamento e anonimato, a lição que o filme gostaria de passar é justamente a de que o ser humano está cada vez mais longe da realidade e que é preciso que a interação face-a-face volte a ser algo mais comum antes que a imersão completa em um mundo virtual se torne irreversível.
   Como sempre, eu inicio a minha análise a partir dos aspectos visuais. Se eu tivesse que descrever todo o longa com uma só palavra, esta seria "estonteante". Assim como em "Uma Aventura Lego", este filme possui uma alta variedade de fan service da cultura pop. Considerando que a maior parte do filme é CGI e animação 3D, a pós-produção está de parabéns por conseguir, de começo ao fim, dar um aspecto orgânico aos personagens sem cair para um lado mais mecânico ou "fantochoso" (neologismo compreensível este). A direção de fotografia também é sensacional. Uma das primeiras sequências do filme é uma corrida. Esta que poderia cair na galhofa que está presente em toda a filmografia do Michael Bay de excessivos jump cuts e giros irritantemente nauseantes, mas toma um rumo com uma dinâmica mais suave que você olha e, segundo o Tiago Belotti, percebe que "Speed Racer" das Irmãs Wachowski poderia muito bem ter sido filmado daquela forma ao invés do caos epilético que o longa de 2005 se mostrou. Ainda assim, existem dois planos que usam uma espécie de "efeito Vertigo" de uma forma muito estranho que quando eu vi não deu para assimilar o que tinha acontecido.
   O som também é um aspecto que merece ser elogiado. Caso você é aquela pessoa que acha que uma exibição em uma dessas salas XD com sistema de som sorrounding e 3D é perda de dinheiro ou apenas está em dúvida qual seria a melhor forma de assistir este filme, experimente vê-lo na melhor sala disponível. Pois tanto a edição de som, que recria com maestria efeitos sonoros nostálgicos, quanto a mixagem de som que põe no lugar os mesmos com uma sincronia absurda, são um dos maiores méritos do filme. Assim como a trilha original do Alan Silvestri que traz alguns traços sutis da obra do John Williams (inclusive de Star Wars que, teoricamente, não teria os direitos autorais para usar elementos da mesma) e as músicas características das décadas de 80 e 90, pegando carona com a popularidade das mesmas junto com "Stranger Things", "It - A Coisa" e "Guardiões da Galáxia".
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   Eu não sou capaz de opinar se o filme é ou não uma boa adaptação. Mas para um filme de seu gênero, seu roteiro é tudo menos preguiçoso. Tudo bem que o filme deixa em aberto algumas perguntas como "Por que o mundo está tão inóspito". Todos os personagens são bem desenvolvidos e fazem nos importarmos com eles. Principalmente o grupo dos "cinco do topo", que são os protagonistas. Isto porque estes são incríveis e ainda assim constantemente correm perigo dentro e fora da OASIS. Sinal de que é mantido um tom bacana de tensão durante os três atos. Isso sem contar dos diálogos engraçados e inteligentes que fazem tudo parecer melhor.
   As atuações também não ficam para trás. Tye Sheridan se consolida aqui como um dos atores mais promissores de sua geração apesar de já ter apresentado um indiscutível talento em "Mud" de 2013. Mesmo sua escolha de casting ter sido polêmico por não cumprir às características do personagem do livro, como um visível sobrepeso. Olivia Cooke também está muito bem, apesar de sua personagem aparecer mais na OASIS do que no mundo real. Lena Waithe está sensacional. Até mesmo quando não vemos seu rosto ela consegue transmitir uma boa comicidade, como na cena do "O Iluminado", que para mim é uma das cenas mais bem dirigidas de toda a carreira do Spielberg. Philip Zhao também está engraçado e o Wim Morisaki é apenas badass. Já Ben Mendelsohn, que eu já havia elogiado em "O Destino de Uma Nação", faz um antagonista psicopata e esperto que é capaz de tudo para alcançar seu objetivo. Mark Rylance e Simon Pegg fazempapéis pequeno e não muito semelhantes, talvez até antitéticos, mas sem dúvida importantes para a narrativa. Por fim, temos Hannah John-Kamen fazendo a funcionária leal de Nolan Sorrento, o antagonista vivido por Mendelsohn, Zandor, que me lembrou a apática replicante Luv de "Blade Runner 2049".
   "Jogador Número 1" é um dos raros casos de filmes que você pode assistir hypado pois definitivamente não irá te decepcionar. Possui incontáveis easter eggs e referências de cultura pop que ativarão aquele senso de nostalgia das décadas de 80 e 90. Além disso, tem um roteiro inteligente e engraçado (e que estas virtudes se tornam mais evidentes com as boas atuações de um elenco bem escalado), com uma mensagem relevante e claras sobre as relações humanas que vêm se perdendo e que, acreditem ou não, não se auto-sabota no final como os últimos filmes do diretor. Possui uma ou outra falha técnica que, de forma alguma,  diminui a experiência. Fazer o quê? É Spielberg voltando a fazer "Sessão da Tarde". Nota 10.

domingo, 25 de março de 2018

Your Name (Kimi no na wa) - Análise

Your Name (Kimi no na wa) - Análise


   Makoto Shinkai é provavelmente o melhor animador de sua geração. Com uma filmografia excepcional que inclui "Jardim das Palavras" e "Cinco Centímetros por Segundo", o japonês conseguiu se consolidar no mercado com uma linha autoral própria ao mesmo tempo que trazia sutis referências ao legado de uma de suas óbvias inspirações, Hayao Miyasaki, a lenda que criou o Estúdio Ghibli, como o constante uso do "Ma" em cenas que poderiam ser simplesmente avulsas. O trabalho mais notável do cineasta é, com certeza, "Your Name", a minha animação preferida. E hoje analisarei a mesma.
   A animação de 2016 conta a história de Taki e Mitsuha. Um garoto de Tóquio e uma garota que mora em um vilarejo de mais de 1000 anos, respectivamente que descobrem que , por algum motivo, trocam de corpos dia sim dia não. Eu sei que esta premissa não é muito surpreendente, já que "Sexta-Feira Muito Louca" e o brasileiro "Se Eu Fosse Você" são dois filmes relativamente populares e bem feitos com uma história semelhante. Mas acredite, "Your Name" possui mais de uma camada, ao contrário dos dois longas citados acima.
   Mas, antes de falar sobre o roteiro, é preciso dar o devido mérito ao aspecto visual do filme. Tanto a edição quanto a direção de fotografia da animação foram feitas pelo próprio Makoto Shinkai, o que é sensacional já que vários diretores de filmes de animação preferem se distanciar destas funções e contratar outras pessoas para o trabalho, como o brasileiro Renato Falcão, que desenvolve este papel em quase toda animação da Fox Pictures. Mas voltando a "Your Name". Com uma paleta de cores vívida e um ultrarrealismo de dar inveja (e que no campo de animações japonesas eu apenas vi em filmes do Shinkai) que chega a incluir os detalhes da luz solar como se filmados por uma câmera de verdade, resultando em sequências estonteantes como a do cometa (esta que possui aqueles giros filmados em contra plongée em torno dos personagens característicos do Michael Bay...só que bem feitos e com alguma coerência narrativa).
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   Além disso, o filme traz à tona uma realidade que não estamos acostumados a ver em animações japonesas: o século 21. Isso porque estes filmes e séries priorizam universos distópicos ou então retratam o Japão feudal que o Ocidente passou a conhecer melhor com a filmografia do Kurosawa. Por fim, no aspecto visual do filme devemos citar o uso do "Ma". Isto é, o "movimento gratuito", termo utilizado por Roger Ebert sobre as sequências criadas por Miyasaki em seus filmes que não levavam a história adiante mas que servem apenas para o espectador respirar. Este recurso, na filmografia de Shinkai é mais evidente em "Jardim das Palavras", mas aqui o diretor usa e abusa do mesmo de uma forma muito bela, como quando ele busca estabelecer, sem utilizar palavras, uma metáfora com trens que eu explicarei no texto apenas sobre as camadas que o roteiro da animação.
   O trabalho das vozes também está sensacional. Ryûnosuke Kamiki, quem faz Taki, e que antes era apenas conhecido por fazer Bô em "A Viagem de Chihiro" e Makimuru em "O Castelo Animado", consegue trabalhar muito bem com a entonação a fim do espectador poder diferenciar quando ele é Taki e quando é a Mitsuha quem está em seu corpo. Já sobre Mone Kamishiraishi, quem interpreta Mitsuha, não posso dizer o mesmo. No caso de sua personagem (que na realidade são dois) as imagens conseguem transmitir inteiramente a diferença entre as personalidades apenas através de flashbacks e da postura de seu corpo, se mostrando quase que desnecessário o esforço que o dublador de Taki fez. Mas fora isso, o trabalho de Kamishiraishi está impecável.
   Finalmente, sobre o roteiro. "Your Name" não é apenas um "Se Eu Fosse Você" japonês. Seu roteiro possui profundidade que renderia uma postagem particular apenas para explicá-la (aliás, é exatamente isso o que eu vou fazer), além de conseguir fazer ótimas transições entre os arcos dos personagens principais sem ser muito bruto. Isso sem contar das ótimas piadas que servem para trazer uma leveza para um baita romance dramático. Por falar nisso, é preciso constar que em muitos momentos o filme não se decide de qual gênero ele pertence, e isso não incomoda. Na verdade acrescenta, pois à medida que a história vai para frente o espectador passa a estar mais certo que o filme vai mais por uma linha de fantasia do que por ficção científica. Mas o roteiro não é perfeito. Isto porque muitas vezes é dito o que já é óbvio. Porém, isto não é feito pelas irritantes e desnecessárias narrações que o filme também possui. Por mais péssimo que seja, o roteiro, que nesse aspecto se mostra tão expositivo quanto de "Interstelar" do Nolan, se apossa do terrível recurso de simplesmente pôr os personagens falando mais do que explicitadamente o que já é possível ver em tela, sendo que em alguns destes "diálogos" o personagem fala sozinho (ou grita), como se estivessem loucos.
   "Your Name" não é perfeito, mas é um ótimo romance com inúmeras camadas e visualmente esplêndido, sendo possivelmente o filme mais bonito, esteticamente falando, já feito. 9.7/10.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Pedro Coelho - Será que a Sony se redimiu após Emoji - O Filme?

Pedro Coelho - Será que a Sony se redimiu após Emoji - O Filme?

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   Ano passado tivemos o desprazer de sermos apresentados pela péssima animação "Emoji - O Filme" produzida pela Sony Pictures Animations, que até então nunca havia feito nada muito interessante de fato. Enquanto isso, o cineasta britânico Paul King surpreendeu a todos com a adaptação de um personagem que se tornou mascote da cidade de Londres, "As Aventuras de Paddington", uma animação que mistura live-action e personagens de computação gráfica (o que muitos de cara já não criaram expectativa. Afinal, "Garfield - O Filme" e "Os Smurfs", este último também produzido pela Sony, não apresentam muita qualidade narrativa) com um ótimo roteiro, assim como um ótimo desenvolvimento de personagens e uma excelente qualidade técnica, sendo quase um (hipotético) "James Bond feito por Wes Anderson".
   Em 2018 veio a continuação deste, "Paddington 2", que conseguiu ser melhor do que o primeiro e ainda trouxe a dúvida de algum outro longa deste mesmo estilo se sair tão bem quanto os da franquia do urso Paddington. Superando com todas as expectativas, a Sony Pictures Animations conseguiu. "Pedro Coelho" é estrelado por Domhall Gleeson (o General Hux de "Star Wars - Episódio VIII) e Rose Byrne, com vozes de James Corden, Daisy Ridley (também de Star Wars - Episódio VIII) e Margot Robbie (de "I, Tonya"), e dirigido por Will Gluck, um cineasta com uma carreira oscilante; conta a história dos animais que vivem em uma zona rural próxima à divisa da Grã-Bretanha com a Escócia, mais precisamente a família do coelho Pedro, que obtém seu alimento através de arriscados furtos da plantação do rabugento senhor McGregor. Quando este morre, os animais se veem livres mas esta liberdade acaba quando o sobrinho do Sr. McGregor chega à região, para poder revender a propriedade. Mas este encontra problemas com os animais e agora está mais arriscado do que nunca obter alimento já que o jovem McGregor se envolve com sua vizinha, quem toma conta da família de Pedro, se vendo em situação de perigo devido aos planos de exterminação de McGregor.
   O longa tem uma ótima montagem, ágil, dinâmica e que ocasionalmente entra em sincronia com a trilha sonora (da qual eu não curti muito), algo parecido com "Baby Driver" de Edgar Wright. A direção de fotografia de Peter Menzies Jr., que é famoso pelas atmosferas escuras e claustrofóbicas que cria, como em "Lara Croft: Tomb Raider" e "Quando um Estranho Chama", me surpreendeu pela paleta de cores variada e saturadas, tendo como destaque o verde e o azul, e a composição de planos mais abertos muito bem feitos.
   O roteiro, por sua vez, é de longe a melhor coisa do filme. Mesmo com um plot twist logo nos primeiros 10 minutos, o que ninguém esperaria, para engatar o enredo (o que eu, pessoalmente, não vi com bons olhos), uma narração desnecessária e uma piada repetitiva com passarinhos, que começa a irritar a partir da terceira vez, o roteiro consegue ser muito inteligente. Isso porque ele se auto-satiriza mais de uma vez com diálogos descritivos sobre eles mesmos, quebras de expectativa como em relação ao ritmo rigidamente compassado de uma cena específica ou de um cliché dos filmes de romance, e uma metalinguagem que é tão sutil quanto inteligente sobre o uso de CGI para a recriação de animais. Isso sem contar das piadas sobre a natureza dos animais de fazenda (o galo e a rena são os meus favoritos). Com estas características de roteiro, o filme se mostra um excelente exemplo de comédia britânica, encontrando um perfeito equilíbrio entre o humor visual e físico visível na trilogia Cornetto do Edgar Wright e as piadas levemente obscuras de Monty Python e do trabalho do Guy Ritchie.
   As atuações no longa também não ficam para trás. Domhall Gleeson já se consolidou como um dos melhores atores de sua geração, e aqui, mesmo sendo um filme "ingênuo", ele consegue dar um show. Normalmente eu não simpatizo com personagens muito caricatos, mas o vendedor de brinquedos psicopata, apático devido à uma infância solitária e que procura redenção em sua vida profissional vivido pelo inglês é fantástico. Boa parte do filme gira em torno dele e, como eu disse antes, o roteiro realiza auto-sátiras com isto de uma forma espetacular. Além disso, o personagem protagoniza as melhores piadas do filme envolvendo humor físico, inclusive tem dois momentos que ele cai de uma bicicleta que são muito engraçados. Além dele devemos elogiar a atuação da Rose Byrne, que é apenas ok, mas já se torna a melhor atuação de sua carreira. O trabalho das vozes também está fenomenal, talvez comparável às interpretações feitas pelo elenco de "O Fantástico Sr. Raposo", de Wes Anderson (aliás, o meu hype cresce cada vez mais pela nova animação do cineasta, que estreará esta semana nos EUA), destaque para os coelhos, o porco e o galo.
A infância solitária de McGregor se evidencia com esta palavra cruzada que ele faz

   Sobre os efeitos visuais, é incontestável sua qualidade. A computação gráfica é tão bem feita que não fica evidente alguns glitches como em "Marmaduke" e "Hop", este último que também tem um coelho como protagonista. Os efeitos práticos também são usados de uma forma incrível. Em algum momento são usados choques elétricos para criar humor, e estes resultam em duas piadas prontas envolvendo humor físico, mas estas são exageradas a ponto de se assemelhar à algo que o Tarantino escreveria.
   "Pedro Coelho" é aquele tipo de filme que tem como público alvo o infantil, mas que os adultos vão chorar de rir. Junto de "Paddington" são as duas melhores adaptações de obras clássicas da literatura infanto-juvenil inglesa e também as melhores comédias visuais dos últimos tempos. A Sony não só conseguiu se redimir do fracasso que foi "Emoji - O Filme", mas conseguiu se inovar. O longa poderia ser perfeito se não fosse por uma narração desnecessária, uma piada que se repete excessivamente e o uso exagerado de músicas pop em momentos aleatórios (um erro que a Sony insiste já há muito tempo em suas animações). Ainda assim, este já se consolidou como o filme mais divertido do ano e o melhor longa da carreira de Gluck, sendo superior até mesmo do que "A Mentira". 9.3/10. Assistam este filme legendado se puderem, pois algumas ótimas piadas se perderão na dublagem. Isso sem falar das referências à "Revolução dos Bichos", que possivelmente serão eufemizadas.

domingo, 18 de março de 2018

The Vanishing Sidney Hall - Quando a manipulação no espectador passa a afetar a qualidade do filme

The Vanishing of Sidney Hall - Quando a manipulação no espectador passa a afetar a qualidade do filme

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   O mais novo longa do estúdio A24 (o melhor em questão de qualidade cinematográfica atualmente, diga-se de passagem), "The Vanishing of Sidney Hall", estrelado por Logan Lerman e Elle Fanning, e dirigido pelo vencedor do Oscar de melhor curta-metragem de 2013, Shawn Christensen, conta a história do precoce e renomado escritor Sidney Hall a partir de três linhas temporais diferentes para desvendar o que causou o seu paradeiro durante o ápice de sua carreira.
   Pela primeira vez em 4 anos a A24 me decepcionou. Já nos familiarizamos pelas propostas audaciosas que o estúdio investe, desde um docu-drama ultrarrealista como "Bom Comportamento" até um coming-of-age sobre a relação mãe-filha como "Lady Bird", porém o último filme da produtora é uma bagunça manipulativa com um roteiro misógino.
   Tudo bem um filme ser manipulativo (até porque a cena final de "The Florida Project" é uma das minhas cenas favoritas de um filme do ano passado), desde que seja bem feita a seguinte manipulação. O problema é que em "The Vanishing of Sidney Hall" a manipulação não fica somente no roteiro. Logan Lerman e Elle Fanning fazem ótimas atuações, porém em alguns momentos o exagero é trazido à tona e a cena, que poderia ser o ponto máximo do filme, perde seu efeito. Já a fotografia de Daniel Katz, que é muito bela, poderia ter sido a única coisa que se salvasse inteiramente do filme, se não fosse pelo abuso de close-ups manipulativos.
   Além disso, o filme não escolhe qual caminho seguir, que gênero se inserir. Transitando entre um drama pesado e mistério, com traços de road movie, o filme acaba dando pistas claras sobre o fechamento dos arcos principais através de transições entre as linhas temporais. Ao menos a maioria destas respeita a regra do "Não me fale, me mostre", como em "Dunkirk", mas pior, porque pelo menos o Nolan tinha Hanz Zimmer, e o compositor alemão conseguia manter um ar de tensão. Aqui, Shawn Christensen tem...Bob Dylan (sem querer desmerecer o cantor), que não colabora em nada neste aspecto.
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   Aliás, Bob Dylan é uma figura mencionada mais de uma vez no longa, e uma delas para trazer à tona o nível tóxico de misoginia que o roteiro desse filme carrega. No final do primeiro ato a personagem da Elle Fanning diz "Eu amo filmes de terror e Bob Dylan" e então o protagonista pergunta de volta "Tem certeza que você é uma garota?". Isso remete à ridícula e antiquada discussão de "coisa de menino e coisa de menina" que o filme faz mais de uma vez. Outro problema no filme em relação à isso é a forma doentia que é retratada o complexo de Édipo e como no fim das contas a forma de como é abordada pelo protagonista acaba sendo elogiada de "honesta".
   Fora isso, o filme se sai bem (é até irônico falar isso após tudo o que eu disse acima). Os personagens são interessantes, apesar de ser quase impossível se identificar com eles, as atuações são sólidas e engajantes (destaque para a Elle Fanning, principalmente quando sua personagem já é uma adulta), e a história, sem toda a manipulação, é intrigante. "The Vanishing of the Sidney Hall" tem seus méritos, mas seus defeitos ultrapassam as virtudes com um foguete. 4,5/10.

quarta-feira, 7 de março de 2018

12 Anos de Escravidão - Como a calma pode transmitir tensão

12 Anos de Escravidão - Como a calma pode transmitir tensão

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   "12 Anos de Escravidão" e estrelado por Steve McQueen e estrelado por Chiwetel Ejiofot, Lupita Nyong'o, Michael Fassbender, Brad Pitt, Benedict Cumberbatch e Paul Dano. O longa retrata o drama verídico de Solomon Northup, um violinista negro e livre do norte dos EUA durante o período escravocrata que é sequestrado e escravizado como se fosse um escravo fugitivo da Georgia durante 12 anos. Nesse período ele experiencia novamente todo tipo o tipo de angústia da qual ele havia sido liberto.
   Esse filme não tem pressa, tudo leva o seu tempo. O protagonista levou 12 anos para se libertar, então por que correr com o enredo? O resultado do ritmo lento são momentos onde a crueza de uma cena é estendida apenas para causar inquietude no espectador.
   Um ótimo exemplo é na cena em que o protagonista está com a corda no pescoço (literalmente) e precisa ficar na ponta dos pés para não se asfixiar enquanto a câmera fica distante estática, capturando um plano aberto que indica como o protagonista não tem nada a fazer senão esperar alguém o ajudar. Tudo isso apenas com o som ambiente, cujos sons que o espectador ouve com maior clareza são os engasgos do protagonista.
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   "12 Anos de Escravidão" também apresenta conquistas excepcionais na área da maquiagem. Principalmente as cicatrizes abertas com chicote. A direção de arte também tem o seu apreço: toda a arquitetura da casa grande, assim como sua decoração interna, foram bem pensadas para criar um claro contraste com a atmosfera claustrofóbica das senzalas. Com relação à direção de fotografia, a mesma é muito inteligente, prioriza a cor verde e apresenta enquadramentos amplos para demonstrar toda a desolação daquele ambiente desumano e nefasto.
   Ainda assim,  o roteiro, para mim, é o ponto mais forte do longa. Pois mostra um lado muito interessante do período escravocrata norte-americano. Por um lado, ele mostra o quanto os escravizados não eram passivos em relação à situação em que viviam, ainda que em alguns momentos tivessem lapsos de resignação. Por outro, é visível o fato de construírem um personagem branco como o "redentor" destas situações. Mesmo que realmente tenha havido abolicionistas brancos importantes na história, nem sempre os escravizados dependeram dessa bondade para conquistar sua liberdade.
   Sobre as performances, todos estão bem. Chiwetel Ejiofor está em sua melhor forma e nos dá a dua melhor atuação como um escravo inconformado pelo descaso de sua situação mas que aos poucos vai perdendo a esperança, ao mesmo tempo que vai aceitando a sua condição. A Lupita Nyong'o também está fantástica ao conseguir dosar muito bem entre a dor de sua personagem com o seu comportamento rebelde. Michael Fassbender está assustador (como sempre) pois, mesmo o seu personagem sendo um pouco caricato como "O Vilão", ele faz um ótimo antagonista. O Paul Dano está desprezível, e isso é bom. Ele é muito om em fazer isso, como pudemos ver em "Sangue Negro". O Benedict Cumberbatch não é nada demais, mas seu personagem é relativamente importante para a trama. Já o Brad Pitt não ajuda em nada. Mesmo não fazendo uma má atuação, ele está lá apenas para encher linguiça, chegando a ser quase gritante o fato de ele apenas estar lá por ser o produtor do filme.
   "12 Anos de Escravidão" é pesado, tenso, cruel. Mas vale a pena ser assistido. Não só pelas qualidades técnicas, mas pela história em si, que é desconhecida por muitos apesar de ser muito interessante. 9,7/10.

sábado, 3 de março de 2018

Apostas para o Oscar 2018

Apostas para o Oscar 2018

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   Após uma semana sem postagem, eu vim aqui relatar os meus palpites para a nonagésima edição dos prêmios da Academia de Artes e Audiovisual, vulgo Oscar. Apesar de não ter visto todos os candidatos das categorias de melhor curta, melhor curta-documentário e melhor documentário, eu já tenho uma ideia de quais obras ganharão nessas categorias.
  • Melhor Animação
   Começando pela mais previsível. A regra é clara: se tem PIXAR, tem Oscar. Viva - A Vida é Uma Festa vai ganhar, não tem outra.
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  • Melhor Maquiagem e Penteado
   Esta também está bem clara quem vai ser o ganhador da estatueta. Kazuhiro Tsuji, David Malinowski e Lucy Sibbick fizeram um trabalho magistral transformando o Gary Oldman no célebre primeiro-ministro britânico Winston Churchill and "O Destino de Uma Nação (segue em anexo a crítica desse filme: Destino de Uma Nação - Crítica).
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  • Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som
   As duas categorias, que são praticamente primas entre si mas que apresentam uma diferença importante entre elas (a edição de som trabalha com a criação dos samples que vão ser usados no longa enquanto a mixagem de som está preocupada na forma que o som será inserido nos filmes), tem o mesmo possível ganhador. No caso, Dunkirk, compensando a lástima que é a mixagem de som de "Interestelar", o filme antecedente do Christopher Nolan (segue em anexo um texto sobre a filmografia do Nolan: Christopher Nolan - Gênio Contemporâneo?). Mas ainda assim acho uma injustiça como "A Trama Fantasma" não conseguiu uma vaga para cada categoria, que poderia ser muito bem ter recebida no lugar de "A Forma da Água" (segue em anexo as críticas de ambos os filmes: A Forma da Água - CríticaTrama Fantasma - Crítica).
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  • Melhor Edição
   Esta sim é uma categoria mais disputada. Jonathan Amos e Paul Machliss, provavelmente os editores mais frenéticos da mídia britânica dos últimos 10 anos, merecem mais que qualquer um por "Um Ritmo de Fuga" com uma timeline perfeitamente sincronizada com as melodias de músicas de Simon & Garfunkel, Queen e muitos outros. Principalmente já que a dupla de editores ganhou diversos prêmios maiores como o Critics' Choice e o BAFTA. Mas conhecendo como a Academia é com categorias técnicas, este prêmio também pode ir para Dunkirk.
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  • Melhor Curta de Animação
   A regra para Melhor Animação também se aplica nessa categoria. O curta "Lou" da PIXAR é muito bonito, e isso já basta para ganhar uma estatueta. Mas os meus favoritos são "Garden Party", por ser muito bem feito, e "Revolting Rhymes" pela ótima adaptação do livro de Roald Dahl criando um roteiro cômico e muito bem desenvolvido.
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  • Melhores Efeitos Visuais
   Não há nenhum favorito para essa categoria, mas devido ao incrível performance capture de "Planeta dos Macacos - A Guerra" eu estou torcendo para ele.
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  • Melhor Roteiro Original
   A minha categoria favorita este ano está relativamente fraca. Digo, TODOS os indicados são fortíssimos, destaque para "Corra!", o provável vencedor, e "Doentes de Amor", uma das melhores comédias do ano, mas logo de cara eu consigo pensar em outros cinco filmes que poderiam muito bem ocupar as vagas desta categoria: 'Trama Fantasma", "MÃE", "The Florida Project", "A Ghost Story" e "Bom Comportamento". Pelo menos para compensar a injustiça de "O Lagosta" do Lanthimos ter perdido para "Manchester À Beira-Mar" ano passado nesta categoria.
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  • Melhor Trilha Sonora
   Ainda não caiu a ficha que Hanz Zimmer foi indicado a "Dunkirk" ao invés da obra magistral que ele compôs para "Blade Runner 2049", mas tudo bem pois a trilha do longa do Nolan tem um papel fundamental para a criação da atmosfera. Por mim, ganharia a trilha do guitarrista Johnny Greenwood, para "Trama Fantasma", mas esta é apenas sua primeira indicação, e normalmente o compositor iniciante não vence (a única exceção foi Justin Hurwitz com "La La Land" ano passado). Portanto, a estatueta vai ficar entre Desplat com "A Forma da Água" e Zimmer.
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  • Melhor Figurino
   Se esse Oscar não for para "Trama Fantasma", o mundo não é justo. E curiosidade, Daniel Day-Lewis levou tão a sério o seu personagem (o que não é novidade) que trabalhou junto com o figurinista do filme, Mark Bridges, para fazer os figurinos do protagonista. Então, mesmo se Daniel Day-Lewis não vencer como Melhor Ator (o que não é difícil), ele ainda assim será o ator mais premiado pela Academia, já que participou do processo de criação do figurino.
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  • Melhor Roteiro Adaptado
   Em contraste com Melhor Roteiro Original, os indicados para esta categoria não poderiam ter sido melhores. Como era de se esperar, Aaron Sorkin foi indicado pela sua estreia como diretor, "Jogada de Risco"; "O Artista do Desastre" também é um forte candidato. Mas quem tem as maiores chances de vitória é "Me Chame Pelo Seu Nome" com a adaptação fiel do veterano James Ivory.
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  • Melhor Curta Live-Action
   Até onde eu sei, as preferências da Academia nesta categoria são voltadas para o projeto mais criativo. Nesse aspecto, "Th Eleven o'Clock" é o candidato mais forte. Mas, pelo contexto histórico atual, esse prêmio provavelmente vai para "DeKalb Elementary".
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  • Melhor Design de Produção
   A paleta de cores de "A Forma da Água" por si só merecia um Oscar, mas como essa categoria é inexistente e a existente mais relacionável a isso é melhor design de produção, então esse ano a estatueta vai pelo incrível trabalho do trio Austerberry-Vieau-Melvin.
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  • Melhor Canção Original
   Esta é provavelmente a categoria que mais se assemelha ao gosto popular. Este ano, "This Is Me" do musical "O Rei do Show" é indiscutivelmente o favorito, mas "Remember Me" de "Coco" também tem chances razoáveis.
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  • Melhor Curta Documentário
   Esta pra mim é a segunda categoria mais disputada da edição. Enquanto "Edith + Eddie" faz um ótimo trabalho mesmo conservando a estrutura mais convencional do gênero, "Heroin(e)", "Knife Skills" e "Traffic Stop" mostram jornadas incríveis de superação de uma forma impressionante, fazendo você sentir no lugar do objeto de estudo. Por outro lado, tem "Heaven is a Traffic Jam on the 405", que apenas pela montagem merecesse o prêmio, é excepcional por fazer com que o público não julgue a protagonista. De fato, não há como opinar sobre essa categoria de forma objetiva, mas se tivesse que escolher um que se destacou mais que os outros, eu escolheria o último citado.
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  • Melhor Documentário
   Novamente, não acho que há um favorito para a categoria, até porque o queridinho da temporada, "Jane", não foi sequer indicado. Mas pelo histórico e por uma questão de respeito pelos realizadores, eu sinto que quem ganhará será "Visages, Villages" (segue em anexo a crítica deste: Visages, Villages - Melhor Documentário do Ano?).
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  • Melhor Filme Estrangeiro
   Esta é, de fato, a categoria mais disputada. Cinco concorrentes fortíssimos, com roteiros inteligentes e alegóricos (alguns até demais), foram selecionados este ano (e nada de "Bingo - O Rei das Manhãs", que na minha opinião são melhores do que os cinco). Mas os dois únicos que realmente parecem estar se destacando dos demais (Fonte: Google Analytics) são "Uma Mulher Fantástica", do Chile, (meu favorito, inclusive segue anexo uma análise rápida feita do mesmo: A importância dos reflexos em Uma Mulher Fantástica) e "The Square", da Suécia. Mas sinto que este último será o vencedor simplesmente pela influência do elenco.
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  • Melhor Direção
   Por mim poderia dar empate técnico para os cinco indicados. Mas como isso é praticamente impossível, o meu palpite vai para Guillermo del Toro por "A Forma da Água". O mexicano (terceiro em cinco anos) ganhou prêmio do sindicato dos diretores, então não tem como ele não vencer.
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  • Melhor Fotografia
   Eu não sou o único a concordar que a fotografia future-noir de "Blade Runner 2049" feita pelo maior derrotado do Oscar, Roger A. Deakins, é a melhor do ano. Portanto, se ele não vencer este ano, o mais plausível é que há uma conspiração dentro da parte da Academia que vota para essa categoria.
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  • Melhor Atriz Coadjuvante
   Laurie Metcalf está fenomenal em "Lady Bird" (segue em anexo a crítica do mesmo: Lady Bird - Crítica), e o meu palpite seria para ela se eu não tivesse assistido "I, Tonya" e não tivesse presenciado a melhor performance da carreira respeitável de Allison Janney, fazendo uma mãe desnaturada e uma mulher de personalidade fortíssima.
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  • Melhor Atriz
   Novamente, por mim todas as indicadas poderiam vencer. Mas Frances McDormand faz um papel fenomenal se entregando em "Três Anúncios para um Crime" (Três Anúncios - Crítica)
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  • Melhor Ator Coadjuvante
   Por mim, Willem Dafoe deveria vencer pois seria um prêmio simbólico para "The Florida Project", meu filme favorito do ano passado, mas o grande favorito é Sam Rockwell, e é justo.
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  • Melhor Filme
   O algaritmo para calcular o vencedor dessa categoria é simplesmente insano. Esta não funciona da mesma forma que TODAS AS OUTRAS CATEGORIAS, sendo que o vencedor seria o filme com mais votos. Eles resolveram dificultar. Resultado, não há como prever o vencedor desta categoria, e a prova disso foi quando Spotlight venceu há dois anos atrás. Nesta lógica, é mais fácil calcular uma margem de quantos filmes indicados a essa categoria (de 5 a 10) tem uma grande chance de vencer. Neste ano, na minha opinião, são sete. Todos menos "Trama Fantasma" (porque saiu muito em cima da hora) e "O Destino de uma Nação" (pois a princípio nem ser indicado a essa categoria ele deveria). Eu particularmente não gostei de "The Post", mas ainda assim ele tem chances. Porém, se eu fosse dar um palpite, eu ficaria entre "Três Anúncios para um Crime" e "A Forma da Água". Mais voltado para esse último porque houve aquela polêmica do personagem do Sam Rockwell ser muito racista e todo aquele blacklash em cima dele. Portanto, "A Forma da Água" é o mais provável de vencer a categoria principal do Oscar 2018.
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