terça-feira, 19 de junho de 2018

Hereditário - Terror ou drama familiar?

Hereditário - Terror ou Drama familiar?

Hereditário, dirigido pelo estreante em longa-metragens Ari Aster, conta a história da família Graham que após a morte de sua matriarca passa a viver uma série de tragédias que podem, ou não, terem alguma ligação com as crenças da finada Ellen Leigh Graham.
A partir plano inicial, composto por um close-up em um dos cômodos da maquete da casa dos Graham, construída por Annie (Toni Collette), onde aparecerão os personagens de Alex Wolff e Gabriel Byrne (como aquele em Paddington), Aster já expõe o seu objetivo em identificar o mórbido no cotidiano e, em algumas vezes, no relacionado ao infantil. Não de uma forma extravagante e exagerada como na franquia "Premonição", mas quando temos aquela dúvida se realmente vimos um demônio caminhando pela sombra da quina escura da sala. "Hereditário" explora muito bem o famigerado frio na espinha.
Ainda assim, o longa aborda diversos temas não relacionados, necessariamente, com o terror. Desde dramas familiares até condições relativamente comuns como anafilaxia, o que explica a polêmica declaração de Aster em que ele disse que seu longa não se trata de um terror, mas sim de um acompanhamento sobre como um trauma familiar pode evoluir ao execrável. Apesar de eu reprovar essa nova cultura entre os diretores de sugerir como os espectadores devem interpretar o filme (Tom Ford com "Animais Noturnos" e Aronofsky com "mother!"), Aster não deixa de estar certo já que, de fato, "Hereditário" é um drama familiar envernizado com ocultismo.
Com Annie, por exemplo, nos primeiros 20 minutos do filme somos informados, com uma confissão dela no grupo de acompanhamento de luto da igreja, de sua infância traumática. De início esta informação parece irrelevante, mas aos poucos notamos certos padrões entre o que ela contou e o que está acontecendo no presente. Ainda assim certo ciclo não chega a ser tão identificável quanto em "MÃE!" já que, assim como em "Corra", você nuca teorizará o bastante para realmente saber o que vai acontecer até que aconteça. São estas incógnitas disfarçadas de animais, personagens secundários e objetos meramente decorativos que num futuro não muito distante se encaixarão de uma forma que o público jamais imaginaria que tornam esse filme o clássico instantâneo do terror que todos estão dizendo.
Outro fator que colabora com essa ótima recepção geral que o filme andou recebendo é o fato de Aster estar ciente de que o medo é relativo. Assim, seu roteiro explora diversas vertentes do gênero, desde os famosos jumpscares (aliás, a mixagem de som desse filme é excelente pois não só explora a cacofonia de uma forma extremamente perturbadora, como também é montada de uma maneira que há muito tempo não via, ou ouvia), passando pelo terror psicológico e chegando no limite do caótico gore inserido no dia-a-dia (anafilaxia é bem pior do que eu pensava) de "Premonição".
Tecnicamente o filme não apresenta nenhuma falha notável. A fotografia de Pawel Pogorzelski trabalha de forma excepcional um jogo de luz e sombra que ativa a imaginação do espectador, sendo o maior responsável pelo terror psicológico presente no longa. A montagem é extremamente competente quando opta por menos jumpcuts quando a tensão cresce, sabendo controlar um ritmo incrivelmente equilibrado para o gênero. Por fim, a direção de Aster se mostra excepcional para um estreante considerando que ele se mostra ciente de que o que ele criou tem potencial e aplicando esse potencial em diversas vertentes do gênero tanto no cenário quanto m seus atores.
Por falar na atuação, esta é provavelmente o melhor elemento da mise-en-scène do longa. Alex Wolff e Toni Collette me surpreendeu ao mostrar que às vezes a melhor escolha é surtar. Existem algumas cenas que eu pensava "se eles fizessem algo ponderado, equilibrado, mostrando que seus personagens permaneciam sãos, ficaria melhor do que o que estou vendo?" e sempre nessas horas chegava a conclusão que o jeito que foi mostrado em tela, com os personagens enlouquecidos, foi a melhor alternativa (ao menos dentro daquele contexto). Milly Shapiro é outra estreante e outra que me surpreendeu: apesar de não ter tanto tempo de tela assim, ela parece sempre estar presente devido à forma ímpar de como ela vive sua personagem. Gabriel Byrne de vez em quando quase que opera como antagonista da personagem da Toni Collette, mas essa relação conflituosa geralmente colabora com o crescimento da tensão. Ann Dowd me surpreendeu pela importância de sua personagem, que de início eu considerava quase que inexistente.
"Hereditário" já pelos 30 minutos rouba o posto de terror do ano de "A Quiet Place". Sua grande virtude está na grande variedade de terrores que o filme explora junto com excelentes interpretações e um pano de fundo identificável. Já a ótima direção estreante e aspectos técnicos impecáveis apenas reforçam estes fatos. Ainda deve existir uma alegoria com os insetos que eu não pude entender, quem sabe lendo o roteiro com calma, mas isso não interfere em nada. Nota 10.

domingo, 3 de junho de 2018

Disobedience - Quando nossa liberdade é afetada pelas nossas crenças

Disobedience - Quando nossa liberdade é afetada pelas nossas crenças

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Após sucesso com “Uma Mulher Fantástica”, portas se abriram para o chileno Sebastian Lelio. Disobedience, sua primeira produção em língua inglesa, conta a história do romance proibido de duas mulheres de uma comunidade judaica em Londres.
Iniciando-se com um plano holandês filmado de baixo pra cima que incorpora o imponente Anton Lesser como o rabino Kushka, o filme já começa apresentando, de forma simples, as figuras religiosas como superiores. Em contraste disso, ao cortar para a filha do rabino, Ronit, vivida por uma altiva embora culpada Rachel Weisz, é introduzida quase de cócoras em relação à sua câmera, representando a submissão feminina dentro deste mesmo contexto religioso.
Após a revelação da morte do pai, o gatilho para a volta de Ronit a Londres, Weisz trabalha de forma magnífica o estado de choque de sua personagem, se mostrando vulnerável não só psicologicamente como também fisicamente (mérito também do roteiro que explora Ronit em situações mundanas que evidenciam sua apatia devido ao luto. Roteiro esse que é co-escrito por Lelio e Rebecca Lenkiewicz, conhecida por “Ida”).
Logo que a trama passa a focar na comunidade judaica londrina e introduz o casal dos amigos de infância de Ronit, Dovid e Esni, que a hospedam em sua casa; se torna evidente o contraste do preto e branco como indicador do pecado, desde sombras ao quase breu, estratégia já usada pelo diretor de fotografia, Danny Cohen, em “A Garota Dinamarquesa”. Além disso, as primeiras cenas que se passam em Londres são responsáveis por estabelecer certos elementos que serão importantes até o fim do longa, como a mútua desconcertância que a presença de Ronit e Esni (Rachel McAdams) fazem uma para outra. Além disso, a já citada submissão da mulher dentro do tradicionalismo religioso abordado é intensificada pela marcante atuação contida de McAdams, sempre sussurrando algo de natureza passiva e olhando para baixo.
Com o início do 2º ato, Ronit se mostra cada vez mais culpada devido a pressão social que colocam sobre ela por não ter acompanhado os últimos anos do pai. De forma indireta, isso se torna a razão de Ronit e Esni finalmente revelarem o que sentem uma pela outra, fazendo elas mudarem totalmente de comportamento. A partir do momento que seu relacionamento secreto passa a afetar a vida dos outros,  os três protagonistas se encontram em um embate que se perpetuará até o desfecho do longa.
Por sorte, Lelio nos oferece compreender o ponto de vista de Dovid (vivido por um inabalável Alessandro Nivola), um homem extremamente ligado à religião e um marido fiel, ainda que às vezes possa não haver reciprocidade em seu casamento. Como se já não bastasse, para intensificar a dramaticidade de um dos melhores desenvolvimentos de 2018 até agora, Lelio abusa e acerta no uso de uma de suas marcas registradas: a trilha sonora não-diegética suave definida por dois temas que, apesar de se repetirem constantemente, nunca se tornam repetitivas, poeticamente casada com relacionamento das duas protagonistas femininas, que ocorre, principalmente,  pela impressionante química das Rachels. Um ótimo exemplo é na cena no hotel, onde, inclusive, ocorre uma transição no mínimo interessante devido à sincronia com a edição de som embora já batida com relação à câmera de Ronit (cena que pode ser vista no trailer).
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O 3º ato, por sua vez, é extremamente sufocante. Não só aborda temas profundos e difíceis de serem debatidos como liberdade, fé e amor, como também é o mais esteticamente diversificado. Volta-se aqui o uso de planos holandeses, junto com uma constante troca de planos fechados com planos abertos, representando o nervosismo e a vulnerabilidade de todos os três protagonistas, além da angústia representada pela ausência de foco da câmera.
“Disobedience” é belíssimo pois não só funciona muito bem como um romance como têm performances incríveis e bem ponderadas, um roteiro que explora temas complexos de formas simples mas não ao ponto de se autoexplicar como um Nolan. Possui uma montagem interessante e é esteticamente limpo. Disobedience chegou muito perto da perfeição. Se o corte final viesse três minutos antes ele poderia se tornar um clássico instantâneo, mas a opção de Lelio de estender o roteiro em mais duas cenas é relevada pela incrível abordagem do questionamento sobre até que ponto nossas crenças afetam nossa liberdade. Nota 10

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Isle of Dogs - O mais original de Wes Anderson

Isle of Dogs - O mais original de Wes Anderson

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   A última animação de Wes Anderson é tudo o que “Okja” quis ser mas não conseguiu. Além de finalmente me vender a ideia de uma instituição que desrespeita os direitos dos animais em busca de atingir um objetivo quase que totalmente pessoal em relação ao controle de massas, o roteiro (co-escrito pelo sobrinho do Francis Coppola), introduz e desenvolve de forma excelente núcleos coadjuvantes que conseguem extrair o absurdo dentro do mundano (o que é, na minha opinião, aquilo que Anderson faz de melhor), diferente do que Bong Joon-Ho não conseguiu com a trama paralela do personagem do Jake Gyllenhaal.
   Sendo esta apenas a segunda animação de Wes Anderson, alguns erros técnicos que pudemos ver em “O Fantástico Sr. Raposo” reaparecem aqui, principalmente com a locomoção dos personagens. Ainda assim, estes pequenos vícios são relativizados dentro de uma enorme variedade de virtudes em relação aos traços autorais do diretor, desde a sutil predominância de tons pastéis na fotografia até a célebre simetria em praticamente todo quadro, além da enorme criatividade em introduzir o contexto do porquê haver a Ilha dos Cachorros a partir de uma esquete à la “Ilha das Flores”.
   O non-sense reina aqui: “Ilha de Cachorros” faz o melhor uso desta já conhecida estratégia que o cineasta usa para instalar o conflito principal. Não só pelo simples motivo que no mesmo é oferecida certa carga emocional desde o primeiro momento, mas também pelos próprios personagens questionarem certos comportamentos humanos nos cachorros que até certo momento não havíamos nos perguntado, como a razão para o personagem que Jeff Glodblum dubla saber tanto sobre o que acontece fora da ilha ou o por quê da Oráculo (Tilda Swinton) poder prever  o futuro. Além disso, algumas coincidências (aliás, o filme trabalha muito bem coincidências sem que pareçam forçadas) aparecem nos principais plot points que nos fazem perguntar o que está acontecendo. A partir do momento que o diretor opta por uma estrutura temporal não linear para nos auxiliar a entender essas coincidências, este se torna confuso, expondo o principal defeito do filme.
   A trama principal do longa também não deve nada a qualquer outro sobre a relação cão-homem. Existe um diálogo entre Nutmeg, personagem canina dublado por Scarlett Johansson e Chief (Bryan Cranston) que evidencia o conflito interno deste último:
   -E por que deveria ajudar o pequeno piloto?
   -Porque ele é um menino de 12 anos; cães amam esse tipo.
   O fato de Chief ter sido rejeitado por uma família humana devido à um instinto dele resultou em uma extrema desconfiança sobre pessoas, mas quando se vê na necessidade de colaborar com uma criança, ele passa a rever todos os seus princípios. Tudo isso explorando comportamentos caninos de uma forma soberba. Aliás, grande parte do humor coerente presente no filme se deve à maneira bem-humorada e curiosa que são abordados hábitos comuns de cães que quase nunca percebemos.
   Desde uma intérprete do prefeito até uma aluna de intercâmbio, o filme obtém êxito em explorar maneiras criativas de superar a barreira linguística do japonês, o que torna incoerente as suspeitas de white washing que o filme veio sofrendo. Isto sem contar da homenagem à música japonesa nos créditos iniciais.
   Pela primeira vez, em um filme de Wes Anderson, a história em si supera o estético. “Ilha de Cachorros” pode não ser o melhor filme dele (“Moonrise Kingdom” permanece neste posto, na minha opinião), mas ao menos tem o melhor roteiro do cineasta (junto com Roman Coppola). Explora um humor sutil e sombrio, possui personagens icônicos mas não tão caricatos quanto em “O Fantástico Sr. Raposo”. Tem uma dublagem valorosa, mérito não só dos atores de peso, que também mostraram o talento apenas com a voz, mas da mixagem de som; e é definida por uma atmosfera ímpar, muitas vezes acompanhada por uma canção folk, sendo esta apenas uma das infinitas marcas registradas de Anderson que podemos identificar na animação. 8.5/10

domingo, 8 de abril de 2018

"O Babadook" e a maternidade

"O Babadook" e a maternidade

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Contém Spoilers

   "O Babadook", dirigido por Jennifer Kent, é um longa de terror psicológico de 2014 que fala sobre Amelia, uma mãe viúva que tem um filho claramente perturbado e se vê atormentada por uma criatura mal-assombrada de um livro infantil que leu ao filho, "Mister Babadook". Ele é de longe um dos melhores filmes do gênero da última década, ficando apenas atrás de "Corra!" do ano passado. 
   Isso porque ele não só apresenta uma história perturbadora e instigante como também consegue equilibrar entre a forma convencional do gênero, fazendo uso de jump scares e sabendo trabalhar muito bem com o som (inclusive a mixagem de som com zumbidos e murmúrios cacofônicos me aterrorizou mais do que os elementos visuais), e o "pós-terror" explorando uma atmosfera sombria como fonte de tensão. Sem contar nas rimas visuais entre este com clássicos do gênero como "O Iluminado", "O Bebê de Rosemary" e "O Exorcista".
   Mas o que eu vi pouquíssima gente falando sobre o filme são as alegorias à maternidade. Se pudesse resumir Samuel, filho de Amelia, no 1º ato em uma palavra, eu usaria "insuportável". Ele tem sérios problemas de comportamento. Isso sem contar que, com 6 anos o menino fabrica armas e por isso teve que ser afastado do colégio. Tudo isso se deve à negligência de Amelia que, sem o suporte do marido (e figura paterna de Samuel) que morreu no dia do nascimento do filho enquanto levava a mãe ao hospital, não sabe quando impor limites a ele, o que limita a rigidez necessária para lidar com certas situações.
   Tudo muda quando ela lê o livro do Mr. Babadook ao filho. Ele fica mais agitado e ansioso, até chegar ao ponto de ter uma convulsão febril (inclusive essa cena é a minha favorita do filme inteiro e não consigo conceber como conseguiram extrair tal atuação de uma criança, mérito de Kent que foi injustiçada da temporada de premiações daquele ano). O mesmo acontece com a mãe, que já não aguenta os terrores noturnos do filho que impossibilita o sono da mulher há semanas. Assim, ao levar Samuel ao médico após seu ataque, ela implora para que o mesmo prescreva algo para que o menino adormeça mais rapidamente.
   Na 1ª noite em que ele toma o sedativo ela faz o filho prometer que não mencionará o nome da assombração novamente e então o filho retruca com a que talvez seja a fala mais fundamental do longa para capturar a alegoria. Ele diz: "eu prometo te proteger se você prometer que vai me proteger, então eu prometo que não mencionarei mais o monstro". Neste ponto a roteirista (também Kent) quis mostrar como a decisão do filho não deve partir somente dele. Tudo o que ele quer é mutualidade, que o amor que ele tem à sua mãe, que às vezes não é nitidamente expresso, seja correspondido (ou pelo menos que ela possa levar à frente a morte do marido que subconscientemente ainda culpa o filho pela mesma, e isso podemos provar quando o Babadook a possui e faz com que ela diga tudo o que ela esconde em seu subconsciente).
   Como dito, na noite do dia seguinte o Babadook a possui, tornando-a bem mais dura e impaciente com o seu filho. Isto acaba se tornando, metaforicamente, um choque de realidade para que ela veja como parte dos motivos do filho ter seus problemas de comportamento é justamente a falta de disciplina do mesmo, já que a mãe não a impõe em casa. Coincidentemente isso passa a acontecer depois de Amelia conversar com sua irmã e esta dizer como Amelia não está educando muito bem o filho.
   Esta nova mãe, bem mais dura que a anterior se torna também agressiva, fazendo com que o filho a aprisione a fim de conter sua raiva para poder se reconciliar com a mesma após tudo o que ele fez de ruim a ela, como deixar ela mais ansiosa. Assim, ele expressa todo o seu amor pela mãe, o que faz com que o Babadook saia de seu corpo para que o emocional de Amelia finalmente se equilibre e, consequentemente, domine "o monstro que esteve dentro dela".
   As últimas sequências mostram Amelia e Samuel convivendo bem e ela alimentando o Babadook em seu porão (lugar onde Samuel construía suas armas e onde estavam guardadas as recordações de seu pai, ex-marido de Amelia) com minhocas que ela colheu com Samuel. Ou seja, ela o alimenta com o fruto de boas lembranças com o filho. Então a cena se encerra com Samuel perguntando quando ele poderá o monstro e Amelia diz que quando ele for mais velho.
   Concluindo, a maternidade em "O Babadook" é explorado pelo ponto de vista de uma mãe negligente ao se tocar que precisa pôr ordem em sua casa e nela mesma mas que não consegue encontrar um equilíbrio em sua função de mãe, e esse desequilíbrio acaba se projetando para a mente da criança como um monstro.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Jogador Número 1 - Spielberg volta à sua melhor forma

Jogador Número 1 - Spielberg volta à sua melhor forma

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   "A comunicação é a chave do sucesso". Esta frase, derivada de uma célebre citação do autor americano Paul J. Meyer, esteve muito presente em minha vida durante um ano, e foi nela que pensei durante toda a exibição do novo filme do maior diretor de blockbusters da história, Steven Spielberg (que dispensa apresentações), "Jogador Número 1".
   Em 2045, a civilização humana se tornou um lugar difícil para muitos, já que houve um forte aumento na desigualdade social. Para isso, foi criado por James Halliday, um programador introvertido, todo um universo virtual para onde as pessoas fugiriam da dura realidade. Com sua morte, são propostos três desafios para os usuários desta rede, a OASIS, e o primeiro que cumprisse os três seria o novo dono da mesma e o jovem da periferia de Columbus, Wade, é um dos vários que estão atrás da recompensa.
   Voltando para a citação de Meyer. Apesar do filme, assim como o livro homônimo no qual o longa foi baseado, falar sobre uma realidade virtual, um campo muitas vezes associado ao isolamento e anonimato, a lição que o filme gostaria de passar é justamente a de que o ser humano está cada vez mais longe da realidade e que é preciso que a interação face-a-face volte a ser algo mais comum antes que a imersão completa em um mundo virtual se torne irreversível.
   Como sempre, eu inicio a minha análise a partir dos aspectos visuais. Se eu tivesse que descrever todo o longa com uma só palavra, esta seria "estonteante". Assim como em "Uma Aventura Lego", este filme possui uma alta variedade de fan service da cultura pop. Considerando que a maior parte do filme é CGI e animação 3D, a pós-produção está de parabéns por conseguir, de começo ao fim, dar um aspecto orgânico aos personagens sem cair para um lado mais mecânico ou "fantochoso" (neologismo compreensível este). A direção de fotografia também é sensacional. Uma das primeiras sequências do filme é uma corrida. Esta que poderia cair na galhofa que está presente em toda a filmografia do Michael Bay de excessivos jump cuts e giros irritantemente nauseantes, mas toma um rumo com uma dinâmica mais suave que você olha e, segundo o Tiago Belotti, percebe que "Speed Racer" das Irmãs Wachowski poderia muito bem ter sido filmado daquela forma ao invés do caos epilético que o longa de 2005 se mostrou. Ainda assim, existem dois planos que usam uma espécie de "efeito Vertigo" de uma forma muito estranho que quando eu vi não deu para assimilar o que tinha acontecido.
   O som também é um aspecto que merece ser elogiado. Caso você é aquela pessoa que acha que uma exibição em uma dessas salas XD com sistema de som sorrounding e 3D é perda de dinheiro ou apenas está em dúvida qual seria a melhor forma de assistir este filme, experimente vê-lo na melhor sala disponível. Pois tanto a edição de som, que recria com maestria efeitos sonoros nostálgicos, quanto a mixagem de som que põe no lugar os mesmos com uma sincronia absurda, são um dos maiores méritos do filme. Assim como a trilha original do Alan Silvestri que traz alguns traços sutis da obra do John Williams (inclusive de Star Wars que, teoricamente, não teria os direitos autorais para usar elementos da mesma) e as músicas características das décadas de 80 e 90, pegando carona com a popularidade das mesmas junto com "Stranger Things", "It - A Coisa" e "Guardiões da Galáxia".
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   Eu não sou capaz de opinar se o filme é ou não uma boa adaptação. Mas para um filme de seu gênero, seu roteiro é tudo menos preguiçoso. Tudo bem que o filme deixa em aberto algumas perguntas como "Por que o mundo está tão inóspito". Todos os personagens são bem desenvolvidos e fazem nos importarmos com eles. Principalmente o grupo dos "cinco do topo", que são os protagonistas. Isto porque estes são incríveis e ainda assim constantemente correm perigo dentro e fora da OASIS. Sinal de que é mantido um tom bacana de tensão durante os três atos. Isso sem contar dos diálogos engraçados e inteligentes que fazem tudo parecer melhor.
   As atuações também não ficam para trás. Tye Sheridan se consolida aqui como um dos atores mais promissores de sua geração apesar de já ter apresentado um indiscutível talento em "Mud" de 2013. Mesmo sua escolha de casting ter sido polêmico por não cumprir às características do personagem do livro, como um visível sobrepeso. Olivia Cooke também está muito bem, apesar de sua personagem aparecer mais na OASIS do que no mundo real. Lena Waithe está sensacional. Até mesmo quando não vemos seu rosto ela consegue transmitir uma boa comicidade, como na cena do "O Iluminado", que para mim é uma das cenas mais bem dirigidas de toda a carreira do Spielberg. Philip Zhao também está engraçado e o Wim Morisaki é apenas badass. Já Ben Mendelsohn, que eu já havia elogiado em "O Destino de Uma Nação", faz um antagonista psicopata e esperto que é capaz de tudo para alcançar seu objetivo. Mark Rylance e Simon Pegg fazempapéis pequeno e não muito semelhantes, talvez até antitéticos, mas sem dúvida importantes para a narrativa. Por fim, temos Hannah John-Kamen fazendo a funcionária leal de Nolan Sorrento, o antagonista vivido por Mendelsohn, Zandor, que me lembrou a apática replicante Luv de "Blade Runner 2049".
   "Jogador Número 1" é um dos raros casos de filmes que você pode assistir hypado pois definitivamente não irá te decepcionar. Possui incontáveis easter eggs e referências de cultura pop que ativarão aquele senso de nostalgia das décadas de 80 e 90. Além disso, tem um roteiro inteligente e engraçado (e que estas virtudes se tornam mais evidentes com as boas atuações de um elenco bem escalado), com uma mensagem relevante e claras sobre as relações humanas que vêm se perdendo e que, acreditem ou não, não se auto-sabota no final como os últimos filmes do diretor. Possui uma ou outra falha técnica que, de forma alguma,  diminui a experiência. Fazer o quê? É Spielberg voltando a fazer "Sessão da Tarde". Nota 10.

domingo, 25 de março de 2018

Your Name (Kimi no na wa) - Análise

Your Name (Kimi no na wa) - Análise


   Makoto Shinkai é provavelmente o melhor animador de sua geração. Com uma filmografia excepcional que inclui "Jardim das Palavras" e "Cinco Centímetros por Segundo", o japonês conseguiu se consolidar no mercado com uma linha autoral própria ao mesmo tempo que trazia sutis referências ao legado de uma de suas óbvias inspirações, Hayao Miyasaki, a lenda que criou o Estúdio Ghibli, como o constante uso do "Ma" em cenas que poderiam ser simplesmente avulsas. O trabalho mais notável do cineasta é, com certeza, "Your Name", a minha animação preferida. E hoje analisarei a mesma.
   A animação de 2016 conta a história de Taki e Mitsuha. Um garoto de Tóquio e uma garota que mora em um vilarejo de mais de 1000 anos, respectivamente que descobrem que , por algum motivo, trocam de corpos dia sim dia não. Eu sei que esta premissa não é muito surpreendente, já que "Sexta-Feira Muito Louca" e o brasileiro "Se Eu Fosse Você" são dois filmes relativamente populares e bem feitos com uma história semelhante. Mas acredite, "Your Name" possui mais de uma camada, ao contrário dos dois longas citados acima.
   Mas, antes de falar sobre o roteiro, é preciso dar o devido mérito ao aspecto visual do filme. Tanto a edição quanto a direção de fotografia da animação foram feitas pelo próprio Makoto Shinkai, o que é sensacional já que vários diretores de filmes de animação preferem se distanciar destas funções e contratar outras pessoas para o trabalho, como o brasileiro Renato Falcão, que desenvolve este papel em quase toda animação da Fox Pictures. Mas voltando a "Your Name". Com uma paleta de cores vívida e um ultrarrealismo de dar inveja (e que no campo de animações japonesas eu apenas vi em filmes do Shinkai) que chega a incluir os detalhes da luz solar como se filmados por uma câmera de verdade, resultando em sequências estonteantes como a do cometa (esta que possui aqueles giros filmados em contra plongée em torno dos personagens característicos do Michael Bay...só que bem feitos e com alguma coerência narrativa).
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   Além disso, o filme traz à tona uma realidade que não estamos acostumados a ver em animações japonesas: o século 21. Isso porque estes filmes e séries priorizam universos distópicos ou então retratam o Japão feudal que o Ocidente passou a conhecer melhor com a filmografia do Kurosawa. Por fim, no aspecto visual do filme devemos citar o uso do "Ma". Isto é, o "movimento gratuito", termo utilizado por Roger Ebert sobre as sequências criadas por Miyasaki em seus filmes que não levavam a história adiante mas que servem apenas para o espectador respirar. Este recurso, na filmografia de Shinkai é mais evidente em "Jardim das Palavras", mas aqui o diretor usa e abusa do mesmo de uma forma muito bela, como quando ele busca estabelecer, sem utilizar palavras, uma metáfora com trens que eu explicarei no texto apenas sobre as camadas que o roteiro da animação.
   O trabalho das vozes também está sensacional. Ryûnosuke Kamiki, quem faz Taki, e que antes era apenas conhecido por fazer Bô em "A Viagem de Chihiro" e Makimuru em "O Castelo Animado", consegue trabalhar muito bem com a entonação a fim do espectador poder diferenciar quando ele é Taki e quando é a Mitsuha quem está em seu corpo. Já sobre Mone Kamishiraishi, quem interpreta Mitsuha, não posso dizer o mesmo. No caso de sua personagem (que na realidade são dois) as imagens conseguem transmitir inteiramente a diferença entre as personalidades apenas através de flashbacks e da postura de seu corpo, se mostrando quase que desnecessário o esforço que o dublador de Taki fez. Mas fora isso, o trabalho de Kamishiraishi está impecável.
   Finalmente, sobre o roteiro. "Your Name" não é apenas um "Se Eu Fosse Você" japonês. Seu roteiro possui profundidade que renderia uma postagem particular apenas para explicá-la (aliás, é exatamente isso o que eu vou fazer), além de conseguir fazer ótimas transições entre os arcos dos personagens principais sem ser muito bruto. Isso sem contar das ótimas piadas que servem para trazer uma leveza para um baita romance dramático. Por falar nisso, é preciso constar que em muitos momentos o filme não se decide de qual gênero ele pertence, e isso não incomoda. Na verdade acrescenta, pois à medida que a história vai para frente o espectador passa a estar mais certo que o filme vai mais por uma linha de fantasia do que por ficção científica. Mas o roteiro não é perfeito. Isto porque muitas vezes é dito o que já é óbvio. Porém, isto não é feito pelas irritantes e desnecessárias narrações que o filme também possui. Por mais péssimo que seja, o roteiro, que nesse aspecto se mostra tão expositivo quanto de "Interstelar" do Nolan, se apossa do terrível recurso de simplesmente pôr os personagens falando mais do que explicitadamente o que já é possível ver em tela, sendo que em alguns destes "diálogos" o personagem fala sozinho (ou grita), como se estivessem loucos.
   "Your Name" não é perfeito, mas é um ótimo romance com inúmeras camadas e visualmente esplêndido, sendo possivelmente o filme mais bonito, esteticamente falando, já feito. 9.7/10.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Pedro Coelho - Será que a Sony se redimiu após Emoji - O Filme?

Pedro Coelho - Será que a Sony se redimiu após Emoji - O Filme?

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   Ano passado tivemos o desprazer de sermos apresentados pela péssima animação "Emoji - O Filme" produzida pela Sony Pictures Animations, que até então nunca havia feito nada muito interessante de fato. Enquanto isso, o cineasta britânico Paul King surpreendeu a todos com a adaptação de um personagem que se tornou mascote da cidade de Londres, "As Aventuras de Paddington", uma animação que mistura live-action e personagens de computação gráfica (o que muitos de cara já não criaram expectativa. Afinal, "Garfield - O Filme" e "Os Smurfs", este último também produzido pela Sony, não apresentam muita qualidade narrativa) com um ótimo roteiro, assim como um ótimo desenvolvimento de personagens e uma excelente qualidade técnica, sendo quase um (hipotético) "James Bond feito por Wes Anderson".
   Em 2018 veio a continuação deste, "Paddington 2", que conseguiu ser melhor do que o primeiro e ainda trouxe a dúvida de algum outro longa deste mesmo estilo se sair tão bem quanto os da franquia do urso Paddington. Superando com todas as expectativas, a Sony Pictures Animations conseguiu. "Pedro Coelho" é estrelado por Domhall Gleeson (o General Hux de "Star Wars - Episódio VIII) e Rose Byrne, com vozes de James Corden, Daisy Ridley (também de Star Wars - Episódio VIII) e Margot Robbie (de "I, Tonya"), e dirigido por Will Gluck, um cineasta com uma carreira oscilante; conta a história dos animais que vivem em uma zona rural próxima à divisa da Grã-Bretanha com a Escócia, mais precisamente a família do coelho Pedro, que obtém seu alimento através de arriscados furtos da plantação do rabugento senhor McGregor. Quando este morre, os animais se veem livres mas esta liberdade acaba quando o sobrinho do Sr. McGregor chega à região, para poder revender a propriedade. Mas este encontra problemas com os animais e agora está mais arriscado do que nunca obter alimento já que o jovem McGregor se envolve com sua vizinha, quem toma conta da família de Pedro, se vendo em situação de perigo devido aos planos de exterminação de McGregor.
   O longa tem uma ótima montagem, ágil, dinâmica e que ocasionalmente entra em sincronia com a trilha sonora (da qual eu não curti muito), algo parecido com "Baby Driver" de Edgar Wright. A direção de fotografia de Peter Menzies Jr., que é famoso pelas atmosferas escuras e claustrofóbicas que cria, como em "Lara Croft: Tomb Raider" e "Quando um Estranho Chama", me surpreendeu pela paleta de cores variada e saturadas, tendo como destaque o verde e o azul, e a composição de planos mais abertos muito bem feitos.
   O roteiro, por sua vez, é de longe a melhor coisa do filme. Mesmo com um plot twist logo nos primeiros 10 minutos, o que ninguém esperaria, para engatar o enredo (o que eu, pessoalmente, não vi com bons olhos), uma narração desnecessária e uma piada repetitiva com passarinhos, que começa a irritar a partir da terceira vez, o roteiro consegue ser muito inteligente. Isso porque ele se auto-satiriza mais de uma vez com diálogos descritivos sobre eles mesmos, quebras de expectativa como em relação ao ritmo rigidamente compassado de uma cena específica ou de um cliché dos filmes de romance, e uma metalinguagem que é tão sutil quanto inteligente sobre o uso de CGI para a recriação de animais. Isso sem contar das piadas sobre a natureza dos animais de fazenda (o galo e a rena são os meus favoritos). Com estas características de roteiro, o filme se mostra um excelente exemplo de comédia britânica, encontrando um perfeito equilíbrio entre o humor visual e físico visível na trilogia Cornetto do Edgar Wright e as piadas levemente obscuras de Monty Python e do trabalho do Guy Ritchie.
   As atuações no longa também não ficam para trás. Domhall Gleeson já se consolidou como um dos melhores atores de sua geração, e aqui, mesmo sendo um filme "ingênuo", ele consegue dar um show. Normalmente eu não simpatizo com personagens muito caricatos, mas o vendedor de brinquedos psicopata, apático devido à uma infância solitária e que procura redenção em sua vida profissional vivido pelo inglês é fantástico. Boa parte do filme gira em torno dele e, como eu disse antes, o roteiro realiza auto-sátiras com isto de uma forma espetacular. Além disso, o personagem protagoniza as melhores piadas do filme envolvendo humor físico, inclusive tem dois momentos que ele cai de uma bicicleta que são muito engraçados. Além dele devemos elogiar a atuação da Rose Byrne, que é apenas ok, mas já se torna a melhor atuação de sua carreira. O trabalho das vozes também está fenomenal, talvez comparável às interpretações feitas pelo elenco de "O Fantástico Sr. Raposo", de Wes Anderson (aliás, o meu hype cresce cada vez mais pela nova animação do cineasta, que estreará esta semana nos EUA), destaque para os coelhos, o porco e o galo.
A infância solitária de McGregor se evidencia com esta palavra cruzada que ele faz

   Sobre os efeitos visuais, é incontestável sua qualidade. A computação gráfica é tão bem feita que não fica evidente alguns glitches como em "Marmaduke" e "Hop", este último que também tem um coelho como protagonista. Os efeitos práticos também são usados de uma forma incrível. Em algum momento são usados choques elétricos para criar humor, e estes resultam em duas piadas prontas envolvendo humor físico, mas estas são exageradas a ponto de se assemelhar à algo que o Tarantino escreveria.
   "Pedro Coelho" é aquele tipo de filme que tem como público alvo o infantil, mas que os adultos vão chorar de rir. Junto de "Paddington" são as duas melhores adaptações de obras clássicas da literatura infanto-juvenil inglesa e também as melhores comédias visuais dos últimos tempos. A Sony não só conseguiu se redimir do fracasso que foi "Emoji - O Filme", mas conseguiu se inovar. O longa poderia ser perfeito se não fosse por uma narração desnecessária, uma piada que se repete excessivamente e o uso exagerado de músicas pop em momentos aleatórios (um erro que a Sony insiste já há muito tempo em suas animações). Ainda assim, este já se consolidou como o filme mais divertido do ano e o melhor longa da carreira de Gluck, sendo superior até mesmo do que "A Mentira". 9.3/10. Assistam este filme legendado se puderem, pois algumas ótimas piadas se perderão na dublagem. Isso sem falar das referências à "Revolução dos Bichos", que possivelmente serão eufemizadas.