sábado, 30 de junho de 2018

"Os Incríveis 2" foi capaz de superar nossas expectativas?

"Os Incríveis 2" foi capaz de superar nossas expectativas?

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É muito esperado quando um filme que marcou uma geração inteira decide fazer uma continuação (e muito receio envolvido para saber se a qualidade da sequência será igual ou maior ao trabalho original). Felizmente "Os Incríveis 2" supera as expectativas até dos mais otimistas e saudosistas.
Além do primeiro ato sanar algumas perguntas que ficaram abertas no desfecho do primeiro filme, como quem era o Underminer, se o JackJack realmente adquiriu superpoderes ou o que houve com Tody Rydinger, ele também levanta questionamentos pesados mas abordados de forma leve e bem-humorada para que todos os públicos entendam, como "Até que ponto o que é legal também é moral?" e críticas ao sistema de educação norte-americano.
É também bastante visível que o cenário voltado ao "American Way of Life" dos anos 50 que aparece no primeiro filme permaneceu na sequência. Figurinos e fotografia, com paleta de cores repleta de tons mais pasteis das obras de publicidade daquela época, também ajudam a identificar essa homenagem àquela época, assim como a trilha sonora, cujos temas são repletos de metais.
Quem também não mudou foi Brad Bird, o realizador. De 2004 pra agora ele buscou não saturar a fórmula PIXAR de roteiro (exceto em "Ratatouille", também de Bird) até seu novo longa. Ao contrário do que muitos pensavam esta saturação não é ruim como um todo. Sim, vemos mais do mesmo (personagens de mentalidades opostas aprendendo lições sobre a vida e descobrindo novas habilidades), mas "Os Incríveis" foi um dos casos mais bem-sucedidos com o uso desta fórmula, sendo assim injusto (pra não dizer também que seria burrice) sua sequência vir com uma proposta narrativa completamente diferente. Mas então, o que exatamente não nos cansa dessa fórmula nesse filme? A resposta é bem clara: o desenvolvimento dos personagens. "Os Incríveis 2" possui vários coadjuvantes e permite ao público saber ao menos um pouco sobre cada um (principalmente as motivações do antagonista, algo que não via ser tão bem executado desde "Toy Story 3"), o que talvez seja a maior virtude da sequência.
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Algo que também é extremamente elogiável é o trabalho das vozes. Desde o cansaço físico demonstrado na voz de Bob Parr até a marra do Frozone (no filme tem uma piada que faz referência ao icônico "Honey, where is my super suit?", fiquem atentos), os dubladores mostraram que compreenderam desde o início a proposta deste filme, tornando seu trabalho não só bastante realista, mas também identificável.
É difícil apontar "Os Incríveis 2" como o melhor filme da PIXAR, ou até mesmo decidir se a continuação é melhor do que o filme que deu origem a este, mas supera todas as suas expectativas com sua qualidade técnica e narrativa, ainda que esta pese um pouco por quase não renovar em nenhum aspecto a fórmula PIXAR, que aos poucos vem se tornando tão batida quanto a da Marvel.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Hereditário - Terror ou drama familiar?

Hereditário - Terror ou Drama familiar?

Hereditário, dirigido pelo estreante em longa-metragens Ari Aster, conta a história da família Graham que após a morte de sua matriarca passa a viver uma série de tragédias que podem, ou não, terem alguma ligação com as crenças da finada Ellen Leigh Graham.
A partir plano inicial, composto por um close-up em um dos cômodos da maquete da casa dos Graham, construída por Annie (Toni Collette), onde aparecerão os personagens de Alex Wolff e Gabriel Byrne (como aquele em Paddington), Aster já expõe o seu objetivo em identificar o mórbido no cotidiano e, em algumas vezes, no relacionado ao infantil. Não de uma forma extravagante e exagerada como na franquia "Premonição", mas quando temos aquela dúvida se realmente vimos um demônio caminhando pela sombra da quina escura da sala. "Hereditário" explora muito bem o famigerado frio na espinha.
Ainda assim, o longa aborda diversos temas não relacionados, necessariamente, com o terror. Desde dramas familiares até condições relativamente comuns como anafilaxia, o que explica a polêmica declaração de Aster em que ele disse que seu longa não se trata de um terror, mas sim de um acompanhamento sobre como um trauma familiar pode evoluir ao execrável. Apesar de eu reprovar essa nova cultura entre os diretores de sugerir como os espectadores devem interpretar o filme (Tom Ford com "Animais Noturnos" e Aronofsky com "mother!"), Aster não deixa de estar certo já que, de fato, "Hereditário" é um drama familiar envernizado com ocultismo.
Com Annie, por exemplo, nos primeiros 20 minutos do filme somos informados, com uma confissão dela no grupo de acompanhamento de luto da igreja, de sua infância traumática. De início esta informação parece irrelevante, mas aos poucos notamos certos padrões entre o que ela contou e o que está acontecendo no presente. Ainda assim certo ciclo não chega a ser tão identificável quanto em "MÃE!" já que, assim como em "Corra", você nuca teorizará o bastante para realmente saber o que vai acontecer até que aconteça. São estas incógnitas disfarçadas de animais, personagens secundários e objetos meramente decorativos que num futuro não muito distante se encaixarão de uma forma que o público jamais imaginaria que tornam esse filme o clássico instantâneo do terror que todos estão dizendo.
Outro fator que colabora com essa ótima recepção geral que o filme andou recebendo é o fato de Aster estar ciente de que o medo é relativo. Assim, seu roteiro explora diversas vertentes do gênero, desde os famosos jumpscares (aliás, a mixagem de som desse filme é excelente pois não só explora a cacofonia de uma forma extremamente perturbadora, como também é montada de uma maneira que há muito tempo não via, ou ouvia), passando pelo terror psicológico e chegando no limite do caótico gore inserido no dia-a-dia (anafilaxia é bem pior do que eu pensava) de "Premonição".
Tecnicamente o filme não apresenta nenhuma falha notável. A fotografia de Pawel Pogorzelski trabalha de forma excepcional um jogo de luz e sombra que ativa a imaginação do espectador, sendo o maior responsável pelo terror psicológico presente no longa. A montagem é extremamente competente quando opta por menos jumpcuts quando a tensão cresce, sabendo controlar um ritmo incrivelmente equilibrado para o gênero. Por fim, a direção de Aster se mostra excepcional para um estreante considerando que ele se mostra ciente de que o que ele criou tem potencial e aplicando esse potencial em diversas vertentes do gênero tanto no cenário quanto m seus atores.
Por falar na atuação, esta é provavelmente o melhor elemento da mise-en-scène do longa. Alex Wolff e Toni Collette me surpreendeu ao mostrar que às vezes a melhor escolha é surtar. Existem algumas cenas que eu pensava "se eles fizessem algo ponderado, equilibrado, mostrando que seus personagens permaneciam sãos, ficaria melhor do que o que estou vendo?" e sempre nessas horas chegava a conclusão que o jeito que foi mostrado em tela, com os personagens enlouquecidos, foi a melhor alternativa (ao menos dentro daquele contexto). Milly Shapiro é outra estreante e outra que me surpreendeu: apesar de não ter tanto tempo de tela assim, ela parece sempre estar presente devido à forma ímpar de como ela vive sua personagem. Gabriel Byrne de vez em quando quase que opera como antagonista da personagem da Toni Collette, mas essa relação conflituosa geralmente colabora com o crescimento da tensão. Ann Dowd me surpreendeu pela importância de sua personagem, que de início eu considerava quase que inexistente.
"Hereditário" já pelos 30 minutos rouba o posto de terror do ano de "A Quiet Place". Sua grande virtude está na grande variedade de terrores que o filme explora junto com excelentes interpretações e um pano de fundo identificável. Já a ótima direção estreante e aspectos técnicos impecáveis apenas reforçam estes fatos. Ainda deve existir uma alegoria com os insetos que eu não pude entender, quem sabe lendo o roteiro com calma, mas isso não interfere em nada. Nota 10.

domingo, 3 de junho de 2018

Disobedience - Quando nossa liberdade é afetada pelas nossas crenças

Disobedience - Quando nossa liberdade é afetada pelas nossas crenças

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Após sucesso com “Uma Mulher Fantástica”, portas se abriram para o chileno Sebastian Lelio. Disobedience, sua primeira produção em língua inglesa, conta a história do romance proibido de duas mulheres de uma comunidade judaica em Londres.
Iniciando-se com um plano holandês filmado de baixo pra cima que incorpora o imponente Anton Lesser como o rabino Kushka, o filme já começa apresentando, de forma simples, as figuras religiosas como superiores. Em contraste disso, ao cortar para a filha do rabino, Ronit, vivida por uma altiva embora culpada Rachel Weisz, é introduzida quase de cócoras em relação à sua câmera, representando a submissão feminina dentro deste mesmo contexto religioso.
Após a revelação da morte do pai, o gatilho para a volta de Ronit a Londres, Weisz trabalha de forma magnífica o estado de choque de sua personagem, se mostrando vulnerável não só psicologicamente como também fisicamente (mérito também do roteiro que explora Ronit em situações mundanas que evidenciam sua apatia devido ao luto. Roteiro esse que é co-escrito por Lelio e Rebecca Lenkiewicz, conhecida por “Ida”).
Logo que a trama passa a focar na comunidade judaica londrina e introduz o casal dos amigos de infância de Ronit, Dovid e Esni, que a hospedam em sua casa; se torna evidente o contraste do preto e branco como indicador do pecado, desde sombras ao quase breu, estratégia já usada pelo diretor de fotografia, Danny Cohen, em “A Garota Dinamarquesa”. Além disso, as primeiras cenas que se passam em Londres são responsáveis por estabelecer certos elementos que serão importantes até o fim do longa, como a mútua desconcertância que a presença de Ronit e Esni (Rachel McAdams) fazem uma para outra. Além disso, a já citada submissão da mulher dentro do tradicionalismo religioso abordado é intensificada pela marcante atuação contida de McAdams, sempre sussurrando algo de natureza passiva e olhando para baixo.
Com o início do 2º ato, Ronit se mostra cada vez mais culpada devido a pressão social que colocam sobre ela por não ter acompanhado os últimos anos do pai. De forma indireta, isso se torna a razão de Ronit e Esni finalmente revelarem o que sentem uma pela outra, fazendo elas mudarem totalmente de comportamento. A partir do momento que seu relacionamento secreto passa a afetar a vida dos outros,  os três protagonistas se encontram em um embate que se perpetuará até o desfecho do longa.
Por sorte, Lelio nos oferece compreender o ponto de vista de Dovid (vivido por um inabalável Alessandro Nivola), um homem extremamente ligado à religião e um marido fiel, ainda que às vezes possa não haver reciprocidade em seu casamento. Como se já não bastasse, para intensificar a dramaticidade de um dos melhores desenvolvimentos de 2018 até agora, Lelio abusa e acerta no uso de uma de suas marcas registradas: a trilha sonora não-diegética suave definida por dois temas que, apesar de se repetirem constantemente, nunca se tornam repetitivas, poeticamente casada com relacionamento das duas protagonistas femininas, que ocorre, principalmente,  pela impressionante química das Rachels. Um ótimo exemplo é na cena no hotel, onde, inclusive, ocorre uma transição no mínimo interessante devido à sincronia com a edição de som embora já batida com relação à câmera de Ronit (cena que pode ser vista no trailer).
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O 3º ato, por sua vez, é extremamente sufocante. Não só aborda temas profundos e difíceis de serem debatidos como liberdade, fé e amor, como também é o mais esteticamente diversificado. Volta-se aqui o uso de planos holandeses, junto com uma constante troca de planos fechados com planos abertos, representando o nervosismo e a vulnerabilidade de todos os três protagonistas, além da angústia representada pela ausência de foco da câmera.
“Disobedience” é belíssimo pois não só funciona muito bem como um romance como têm performances incríveis e bem ponderadas, um roteiro que explora temas complexos de formas simples mas não ao ponto de se autoexplicar como um Nolan. Possui uma montagem interessante e é esteticamente limpo. Disobedience chegou muito perto da perfeição. Se o corte final viesse três minutos antes ele poderia se tornar um clássico instantâneo, mas a opção de Lelio de estender o roteiro em mais duas cenas é relevada pela incrível abordagem do questionamento sobre até que ponto nossas crenças afetam nossa liberdade. Nota 10