quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Destaques Ecrã - Dia 1

 Destaques Ecrã - Dia 1 

  • “Telemundo” e “61. A Verdade Interior”:

Telemundo - Doclisboa 2019

   Projetos complementares frutos da colaboração entre a atriz argentina Sofía Brito e o cineasta independente estadunidense James Benning na busca de compor ensaios sobre a quebra da barreira da linguagem sem, necessariamente, falarem no mesmo idioma. A uma hora e meia do 1º não estabelece nenhum ponto além do diálogo experimental pouco coeso que só funciona dentro dos moldes autorais de Benning.

   Equivale-se a um Godard autoindulgente à procura de um filme-performance perfeito e que acaba admitindo falhas como “parte do processo”, tendo como único mote a tentativa de surpreender o espectador com o fato da linguagem verbal ser superestimada em função da linguagem corporal, ainda que esta se manifeste sutilmente pelos 2 artistas, assemelhando-se bastante com outra obra de Benning: “Vinte cigarros”.

   Já o 2º filme, diário documental da Sofía Brito, revela-se como reflexo do processo criativo propriamente dito. Ao trazer à tona a mentalidade de um artista tão audacioso quanto Benning, muitas vezes ofuscada pelas primeiras expressões geradas pela estrutura não-convencional de seus filmes, que levam a julgarem, erroneamente, James como prepotente, a humanização daqueles corpos interativos de “Telemundo” torna-se finalmente possível. Essa interdependência entre as duas obras, curiosamente, apresenta-se mais agradável do que possa parecer.

   Mais do que um ponto sobre linguagem a ser provado pelos realizadores, o que se procura por ambos é estabelecer uma sincera relação de reciprocidade de um com o outro pelos benefícios que oferecem indiretamente aos mesmos: inspirado em Thoreau, Benning há décadas se sujeita à reclusão voluntária nas montanhas e a necessidade intermitente de quebrar a rotina da solidão autoinfligida ocasionou no cruzamento de caminhos com Brito, que, por sua vez, procura na figura de James um guru artístico de longa experiência, impregnando ao documentário essa ingenuidade de pupilo em busca de uma grande revelação.

   Ainda que o projeto se conclua com afirmações óbvias, como a que a universalidade da matemática e do corpo humano nunca será alcançada por experiências linguísticas artificiais, como o Esperanto, ambos os filmes da dupla mostram-se, indiscutivelmente, importantes tratados contemporâneos sobre o caráter globalizado da comunicação interpessoal.

 

  • Assistindo a Dor dos Outros: 

 Watching the Pain of Others

   O repentino sucesso do livro de estreia da Kristen Roupenian, “You Know You Want This”, não surpreende ninguém, considerando que a época de lançamento do mesmo coincidiu com o início da popularização da discussão das temáticas abordadas pelos contos de Roupenian: masculinidade tóxica (“Cat Person” e “Nice Guy”), pós-verdade (“Os Corredores Noturnos”) ou separar o artista da obra (“Sardinha”). Curiosamente, temas mais obscuros no livro, como doenças potencialmente fictícias (“O sinal da caixa de fósforos”), também se tornaram consideravelmente discutidos ultimamente e uma das colaborações mais fortes a essa discussão foi o documentário “A Dor dos Outros” da Penny Lane, que também dirigiu “Hail Satan?”.

   O documentário sobre uma suposta doença de pele chamada síndrome de Morgellons, por sua vez, é discutido pela ensaísta francesa Chloé Galibert-Laîne em “Assistindo a Dor dos Outros”, que investiga os possíveis elementos sociais que interferem na opinião geral e de Penny Lane quanto a acreditar ou não nas pessoas que afirmam portar a doença.

   Num rico estudo de formato, ao não usar nenhuma outra filmagem além do que captura pela tela de seu computador, Chloé debulha a semiótica usada por Penny Lane para que o público viesse a sentir empatia por figuras de índoles e ideologias questionáveis enquanto busca se questionar quanto à metodologia que Chloé aplica para definir o que considera verdadeiro ou não. Ao mesmo tempo que o documentário procura traçar paralelos contundentes que possam relacionar o status de existência à síndrome com o perigo da liquidez proveniente da ilusão de popularidade em função do engajamento virtual e da pressão imposta a mulheres jovens em performarem uma eterna juventude, a cineasta passa por uma crise semelhante durante o processo de pesquisa para o documentário ao encontrar nela mesma sintomas da dita doença.

   Ao longo de meros 27 minutos toda aquela teia complexa de fatores capazes de sintetizar uma anomia tão única é desatada através de uma visão intimista e honesta em que julgamentos são postos de lado porque os erros aqui não podem ser tolerados; todo desvio à busca da verdade oferece riscos à mente de quem vai à sua procura. Nesse sentido, lembra bastante “Terra Plana” da Netflix, salvo o caráter sarcástico dos realizadores deste. Não que Chloé seja condescendente, mas é empática às “pacientes” por reconhecer que a situação que se encontram é fruto de angústias externamente induzidas e as transformaram em servas de uma ótica que as atribuíram muita influência. Essa comunicação artificial deturpada já não é mais uma opção, é a única vida que conhecem e a escolha da diretora de concluir a obra em escancarar a falta de naturalidade naquelas interações foi a melhor possível por dar brechas ao início de uma nova camada de análises que somente o espectador poderá explorar.

 

  • Espectros da Terra:

 ESPECTROS DA TERRA – Daniel & Clara

   4 minutos de surrealismo pavoroso. Claramente inspirado no 3º fragmento de “Subconscious Cruelty”, a dupla de cineastas dispensa qualquer lógica na hora de expor o gore que é capaz de extrair da pura natureza. O niilismo blasfemo dos instintos humanos nunca foi tão vulgar e feral, nem mesmo com Mojica...talvez com Hussain. Apesar de não ser das experiências mais agradáveis, é essencial pra quem se compromete em expandir a bagagem cinematográfica.

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