"Aruanda" e "Ilha das Flores": um Brasil de muitas indústrias
Linduarte Noronha, enquanto precursor do Cinema Novo, construiu seu legado em cima do curta-documentário "Aruanda". A saga da mulheres do Quilombo Olhos d'Água, que sobrevivem da manufatura de potes de argila, não só influenciou documentaristas de sua geração, como o Glauber e o Coutinho, mas também cineastas posteriores.
Tematicamente, "Aruanda" se assemelha ao "Ilha das Flores" do Jorge Furtado em retratar o caminho de uma mercadoria de grande importância para determinados contextos. Ainda assim, enquanto a obra de Noronha foca na base do capital com a manufatura artesanal de baixo valor agregado, preocupando-se no combate à história única de toda uma comunidade que vive sem o privilégio de ser salvaguardado pelas instituições estatais, nunca reduzindo os quilombolas à miséria, o curta-documentário gaúcho acompanha o capital por todo o ciclo do mercado, nunca se aprofundando em um estágio específico para desconstruir certos estereótipos, mas dando uma noção ampla das falhas do capitalismo.
Apesar de ser igualmente rico, em questão de linguagem, analisarem-nos como obras individuais, encará-los como um sendo a continuação do outro oferece ao espectador o aprofundamento da perspectiva fisiocrática quase que intuitiva do Brasil como um país de muitas indústrias. As diferenças de ritmo e decupagem realizam o recorte histórico-social para que o contraste entre as duas realidades se destaque. As oleiras paraibanas trabalham sem pressa, com capricho, se opondo à produção em massa dos perfumes da revendedora. Não tinha como ser diferente.
Os dois curta metragens mais importantes do cinema nacional se completam. Representantes do gênero que os cineastas brasileiros mais dominam, tomam como protagonista o próprio narrador. Pomposo e satírico, cada um à sua maneira, contam aquelas histórias sem nunca dizer mais do que necessário.
Se logo na introdução se mostram como exercícios de montagem ímpares, o casamento proporcionalmente calibrado da imposição das vozes emprestadas em menor ou maior presença diante das respectivas mise-en-scènes (minimalista em "Aruanda" e carregada em "Ilha das Flores") justificam o porquê apontarem-nos como aulas de texto, amarrando, enfim, o último e principal elo entre a invisível ligação entre ambos os documentários.
A feira de Santa Luzia, é o único lugar onde se tem olhos para os quilombolas, onde não estão latentes ao Estado pois é onde geram riqueza; essa liberdade que experimentam a cada viagem de 1 dia que fazem para o Sabugi que a mesma que o narrador da "Ilha das Flores" aponta como a "que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda".
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