Piedade - o desespero do artista em querer se adequar ao momento
A súbita redução da, já não tão expressiva, receita do cinema nacional como efeito do isolamento social e da extinção de financiamento público, o período áureo do cinema de retomada chega a um possível fim em 2020. O fim dessa era sente falta de obras marcantes recentes de alguns de seus expoentes e Cláudio Assis entra pra essa turma, mesmo lançando "Piedade".
O idealizador de "Amarelo Manga" e "Baixio das Bestas" volta, então, com um drama familiar semiautobiográfico com subtexto crítico social. Porém, seu desespero em articular um clássico instantâneo quanto ao contexto apropriado à crise política contemporânea distorce as próprias motivações e no fim o único motivo que apresenta uma regularidade à cosmologia é o mangue beat, que ele já dominava como ferramenta desde o início da carreira.
A impressão que dá é que ele tá querendo tomar de volta do KMF o posto de pernambucano mais woke do cinema nacional. Fica muito claro como, originalmente, a história a ser contada era da reaparição de um filho perdido há décadas, mas os contrastes entre os 3 ambientes onde a história se passa deram brecha à crítica às políticas de apaziguamento de empresas estatais com as comunidades ambientalmente afetadas por suas atividades. Aos poucos cada vez temáticas constantemente discutidas nos dias de hoje, como invasão de privacidade e falta de afeto em virtude à masculinidade, são introduzidas mas nunca propriamente desenvolvidas, apenas lá na tentativa de construir a fórmula de um clássico nacional contemporâneo.
Contrastes como o dos cenários são replicados aleatoriamente a outros elementos do filme, emulando motivos pra disfarçar a fragilidade coesiva de núcleos paralelos à trama principal, como a estética camp assumida pelo grupo de ativismo que o personagem do filho do Cauã Reymond participa se opondo à antissepsia do quarto de hotel do personagem do Matheus Nachtergaele. Se nas cenas iniciais o intensidade dramática no vídeo do grupo surfando no mar de Piedade implica grande importância atribuída a ele para a resolução do conflito condutor, o mesmo revela-se rapidamente como artifício raso pra reiteração desnecessária do que é o que o Assis quer criticar.
A boa decupagem, no entanto, compensa a cosmologia mal desenvolvida. Até porque sem a calibração da mise-en-scène não só os contrastes arbitrários como também os essenciais se mostrariam artificiais ao realismo que a comunidade pesqueira retrata. Também é possível identificar um quê de Tavinho Teixeira com o realismo fantástico dos sonhos
primitivos do neto da personagem da Fernanda Montenegro e com as cabines
de casal do cinema Mercy e o filme consegue se adequar bem a essa proposta à medida que diferenciam os coadjuvantes dos figurantes.
Apesar de bem encenado e fotografado, Cláudio Assis não consegue manter regularidade na obra por desespero de tentar marcar o espectador com situações prontas e atribuir um caráter moralmente dúbio a cada um dos personagens, sendo que a conclusão não mexe na moral deles, só fica confuso e distante do que o filme buscou imageticamente esse tempo todo, mesmo com metáforas bem planejadas, como o personagem do Mateus Nachtergaele dando cabeçada na bunda do Cauã Reymond pra mostrar ele como a personificação dos tubarões. No fim é só um medley anti coesivo de esquetes estilo Black Mirror focando numa mesma família.
Apesar de bem encenado e fotografado, Cláudio Assis não consegue manter regularidade na obra por desespero de tentar marcar o espectador com situações prontas e atribuir um caráter moralmente dúbio a cada um dos personagens, sendo que a conclusão não mexe na moral deles, só fica confuso e distante do que o filme buscou imageticamente esse tempo todo, mesmo com metáforas bem planejadas, como o personagem do Mateus Nachtergaele dando cabeçada na bunda do Cauã Reymond pra mostrar ele como a personificação dos tubarões. No fim é só um medley anti coesivo de esquetes estilo Black Mirror focando numa mesma família.