domingo, 25 de outubro de 2020

Stardust - Contornos históricos a uma mise-en-scène incompleta

 Stardust - Contornos históricos a uma mise-en-scène incompleta

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    A justa intervenção do filho do Bowie nessa biopic do pai, proibindo o uso de suas músicas, claramente levou a produção de "Stardust" a levar caminhos alternativos ao anteriormente previsto. O resultado, uma cobertura do período mais medíocre da carreira do artista mais completo do século passado, revela como desvios drásticos na linha do tempo da figura retratada pode provocar incompletude à mise-en-scène construída.

    O filme, que se passa no período de lançamento do 3º álbum do Bowie, "The Man Who Sold the World", acompanha sua turnê fracassada nos EUA e a dificuldade encontrada em fazer o público estadunidense aceitar seu estilo ao mesmo tempo em que ainda procura desenvolver uma face artística madura. Dito isso, nota-se como os 3 atos, de certa forma, são executados simultaneamente através de transições temporais arbitrárias ao processo coesivo do enredo.

    Se, por um lado, o espectador encara uma montagem que possa desafiar seu senso de continuidade, essa irregularidade proposital falha na sua tentativa de dialogar bem com o estado mental com que o protagonista é induzido pela rejeição à sua arte a partir do momento em que o filme decide suspender essa decisão e substituir a fragmentação temporal por elementos específicos anteriormente citados pelos personagens. O espelho, por exemplo, eventualmente mencionado como um portal para o artista enxergar além de si mesmo a imagem que busca passar ao público, se torna cada vez mais presente após passados os primeiros 50 minutos, ainda que seja um artifício interessante para a noção de profundidade trabalhada no filme.

Stardust' review: David Bowie biopic documents the genesis of an icon

    Nota-se aqui, inclusive, uma priorização na noção de profundidade, que é muito bem articulada à paranoia sofrida pelo Bowie em função de seu fracasso e do histórico de esquizofrenia em sua família que também parece começar a afetá-lo, além de colaborar na transposição de fatos biográficos do artista forçadas pela intervenção de Duncan, como o próprio período de seu nascimento, que na verdade corresponde à época de produção do álbum em questão. Porém, isso leva à negligência de outros elementos da mise-en-scène, gerando uma impressão de incompletude na composição imagética do longa.

    Com isso, nenhum personagem coadjuvante é verdadeiramente desenvolvido e nenhuma das causas dos episódios de terror psicológico que consomem o artista se projeta como legítimas ameaças. Em suma, toda a análise anterior e o gênero de "road movie" com o qual o filme se identifica o torna num "Green Book" genérico no qual o racismo é substituído pela incompetência da Mercury Records e o complexo de "white savior" é substituído pela criação de Ziggy Stardust. 5/10.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Videoartes Ecrã


Videoartes Ecrã


   Não fui capaz de entender o critério da curadoria em separar o que é curta, o que é instalação e o que é videoarte e um dos maiores responsáveis pra essa confusão é a inclusão do polonês “Ano (Year)” em videoartes sendo que apresenta a mesma proposta de vídeo-colagem da (considerada) instalação “Flipbook Pós-digital”, ainda que o processo e os moldes de produção divirjam radicalmente, considerando a técnica de escaneamento usada no 1º e o software de reconhecimento facial explorado no 2º.

   A lendária “história de seis palavras” do Hemingway parece ser fonte de inspiração aqui no sentido da obra se propor a narrar sem locutor e interlocutor definidos. A semelhança que pode-se identificar com o sorrizo-roná/ldico “Flipbook Pós-digital” tá na montagem estroboscópica de alta taxa de fps ainda que a sequência de quadros apenas mantenha a essência do significante. A partir disso, uma história se constrói através do escaneamento de embalagens de Marlboro em que se conta, exclusivamente através deles, a história dos últimos anos de vida de um mochileiro fumante. Possivelmente a campanha antitabagista mais legal já feita.

 

   Nada de muito espetacular pra comentar aqui. Paradoxalmente, é um curta que se encaixa dentro dos padrões de experimentação audiovisual no sentido de apresentar uma relação inversamente proporcional entre coesão e subjetividade. Só é interessante como ele dialoga um pouco com “Duas Imagens de Guerra” do JP Faro ao expor uma visão aterrorizante do pavor que pode surgir a partir da fantasia do estilo de vida do Ocidente e do desencanto quando se descobre a que custo ele se sustenta.

 

   Das melhores obras do festival. Síntese da Sociedade do Espetáculo, meio que autoexplicativo. Nada do que eu discorrer aqui vai chegar perto do que o filme mostra até porque ele não tem nenhum ponto a defender nem nada do tipo, é só imagético...e dos mais crus possíveis. Puro suco da nossa geração.


   Da mesma forma que acontece com “A Vida Dentro de um Melão”, a grande força desse curta é a sensibilidade que é raridade no cinema experimental. Pra um formato em que foge à regra quem não transmite a sua mensagem do jeito mais agressivo possível pra não cair na verborragia, esse filme-ternura não deve nada às demais videoartes com seu caráter multiautoral de catarse gradual.

Vale também mencionar “Paralelos em Série”. Não tem muito o que chamar atenção, só achei legal.