sábado, 22 de junho de 2019

Democracia em Vertigem

Democracia em Vertigem

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   O último documentário de Petra Costa busca recontar a narrativa da ascensão e queda do PT do poder a partir de imagens de arquivos valiosas e gravações feitas pela própria cineasta a medida em que a progressão dos fatos ocorria. Ainda que tente transmitir pelas imagens e pela narração em off uma visão intimista do golpe, o relato acaba se tornando mais uma experiência impessoal e genérica daquilo que já vem sendo contado, sem êxito total, no cinema documental brasileiro desde os cartazes do Kléber Mendonça Filho no tapete vermelho de Cannes.
   A objetividade de "O Processo" e a contínua onda de sugestões espertinhas de "Excelentíssimos" encontram um ponto de equilíbrio enjoativo em "Democracia em Vertigem". Ao mesmo tempo em que a edição assertiva de Petra consegue estabelecer claras rimas visuais entre o contexto político atual com outros períodos onde o povo não tinha total liberdade de escolher seus representantes, a fusão entre o que é de conhecimento geral com relatos pessoais evidencia uma desvirtuação da proposta inicial do longa.
   Tal desvirtuação é maquiada pela tese do documentário ter um claro viés esquerdista, mas é fácil identificá-la. Das filmagens da mãe da realizadora conversando com Dilma (mais humanizada do que qualquer outra pessoa documentada pela câmera da diretora) às chamadas do Jornal Nacional, o filme sempre carrega fortes doses de poesia verbal e imagética da qual a gravidade do recorte temático não pede. Assim, a vaidade que Petra tem pelo material a impossibilita de fazer uma análise minimamente mais profunda que um texto da Cynara Menezes.
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   Dentro desse exagero estético, juízos de valores se perdem e a tentativa de expor as motivações e a maneira que o povo foi lesado pelas ações de diversos grupos políticos ficam de lado ou ganham protagonismo apenas em momentos estratégicos, como a autocrítica feita pelo Gilberto Carvalho, a relação de sua família com a Andrade Gutierrez e as aparições de Magno Malta tanto ao lado de Lula quanto ao lado do Movimento Tchau Querida, além da desconexa entrevista com a camareira do Palácio da Alvorada. Isso sem contar das conclusões tiradas pelo lado pessoal da história, que desvirtuam de seus ideais de desofuscar a classe proletária ao, em momento algum, focar nas camadas sociais mais carentes ao visitar os perfis dos grupos prejudicados pelo golpe.
   Nesse sentido, o documentário acaba sendo, antes de qualquer outra coisa, uma resposta à semiótica maniqueísta e vilanizadora da grande mídia aplicada sobre figurões da esquerda brasileira e da Petrobras. Porém, enquanto "Democracia em Vertigem" opera com maestria nesse aspecto, falha em vários outros ao não explorar tanto o material que a diretora tem em mãos quanto deveria, além da falta de planejamento temporal da obra. Ao pular todo o processo eleitoral de 2018, principal consequência da desestabilização democrática no país, Petra acaba se mostrando ainda imatura para tratar, cinematograficamente, sobre o assunto. Dá-se, então, ao espectador um resultado final não inovador que injeta poesia rasa e impessoal em tudo, subestimando a capacidade interpretativa de seu público e ficando muito aquém das promessas de seu nítido primeiro ato. 5/10.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

John Wick: Parabellum

John Wick: Parabellum

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   O terceiro filme da franquia sobre um ex-assassino de aluguel, que abandona a aposentadoria por motivos intrinsicamente pessoais, se o mostra o melhor da mesma com facilidade.
   De certa forma, a fórmula para o sucesso do segundo filme é repetida aqui. O longa evoca uma cosmologia onde a vigilância e a violência reinam. A premissa de que sob a sociedade comum há algo muito maior e muito mais sólido e organizado é aproveitada da melhor forma possível, ainda mais com a liderança do realizador, Stahelski, que reafirma como nunca seu amor pelo anacronismo.
    A mistura que ele faz entre a contemporaneidade e outros períodos históricos, à primeira vista, ameaça a vinda à tona de incoerências espaço-temporais. No entanto, isso se mostra uma estratégia brilhante não só para que o maior número possível de formas de progressão da ação sejam explorados, mas para ilustrar essa linha tênue que a High Table e suas derivações representam entre a selvageria e a civilização.
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   Dito isso, o longa se desperta enquanto filme de ação em um momento mais cedo do que seus antecedentes e da maneira mais ousada possível. Mais uma vez mesclando os elementos mais imprevisíveis possíveis para a construção de uma mise-en-scène totalmente temática que se força a se reinventar a fim de manter a espetáculo performático que, eventualmente, se quebra graças à busca incessante de um caráter cartunesco que, muitas vezes, acaba sendo maior do que o tolerável para a interrupção do equilíbrio entre o fantástico e o real que Stahelski propôs, inicialmente, em 2014.
   Ainda assim, é mantida quase que ao longo de todo o filme uma gigantesca constância qualitativa dada à experiência do diretor com o cinema de ação, uma vez que construiu uma carreira enquanto dublê, facilitando na construção e sincronia das instigantes coreografias marciais. Nesse sentido, o mérito se espalha por todo o elenco, que consegue realizar com maestria a versatilidade imaginativa traduzida pelas cenas de luta, especialmente Keanu Reeves e Marvin Dacascos. Apesar disso, um dose extra de atenção faz com que sejam identificados, muito facilmente, falhas na sincronia das lutas, sempre com o adversário dando vantagem para John revidar golpes que nem chegam a ser realizados.
   "John Wick: Parebellum" é o ápice da autoria dicotomista e antitética de Stahelski. A infinidade de símbolos que compõem boa parte da riqueza narrativa do filme, indo da fragilidade e resiliência do corpo das bailarinas em contraposição à brutalidade dos lutadores na sala ao lado até a mítica figura do Baba Yaga se repetindo sempre que possível como numa justificativa fantástica para a invincibilidade de John, tanto em corpo quanto em mente
   Numa homenagem ao classicismo do gênero de ação que acidentalmente se torna uma reconstrução do mesmo, o longa alcança um equilíbrio absurdo entre o espetáculo estético e a consistência narrativa. Isso em níveis raros no cinema ocidental, que por muito tempo se acomodaram em replicar uma bolha constituída por autores de duas décadas atrás. Ainda que camuflada por homenagens ao gênero, a inovação encontra-se presente e a expressa da forma mais simbólica e consistente possível. 8/10