Democracia em Vertigem
O último documentário de Petra Costa busca recontar a narrativa da ascensão e queda do PT do poder a partir de imagens de arquivos valiosas e gravações feitas pela própria cineasta a medida em que a progressão dos fatos ocorria. Ainda que tente transmitir pelas imagens e pela narração em off uma visão intimista do golpe, o relato acaba se tornando mais uma experiência impessoal e genérica daquilo que já vem sendo contado, sem êxito total, no cinema documental brasileiro desde os cartazes do Kléber Mendonça Filho no tapete vermelho de Cannes.
A objetividade de "O Processo" e a contínua onda de sugestões espertinhas de "Excelentíssimos" encontram um ponto de equilíbrio enjoativo em "Democracia em Vertigem". Ao mesmo tempo em que a edição assertiva de Petra consegue estabelecer claras rimas visuais entre o contexto político atual com outros períodos onde o povo não tinha total liberdade de escolher seus representantes, a fusão entre o que é de conhecimento geral com relatos pessoais evidencia uma desvirtuação da proposta inicial do longa.
Tal desvirtuação é maquiada pela tese do documentário ter um claro viés esquerdista, mas é fácil identificá-la. Das filmagens da mãe da realizadora conversando com Dilma (mais humanizada do que qualquer outra pessoa documentada pela câmera da diretora) às chamadas do Jornal Nacional, o filme sempre carrega fortes doses de poesia verbal e imagética da qual a gravidade do recorte temático não pede. Assim, a vaidade que Petra tem pelo material a impossibilita de fazer uma análise minimamente mais profunda que um texto da Cynara Menezes.
Dentro desse exagero estético, juízos de valores se perdem e a tentativa de expor as motivações e a maneira que o povo foi lesado pelas ações de diversos grupos políticos ficam de lado ou ganham protagonismo apenas em momentos estratégicos, como a autocrítica feita pelo Gilberto Carvalho, a relação de sua família com a Andrade Gutierrez e as aparições de Magno Malta tanto ao lado de Lula quanto ao lado do Movimento Tchau Querida, além da desconexa entrevista com a camareira do Palácio da Alvorada. Isso sem contar das conclusões tiradas pelo lado pessoal da história, que desvirtuam de seus ideais de desofuscar a classe proletária ao, em momento algum, focar nas camadas sociais mais carentes ao visitar os perfis dos grupos prejudicados pelo golpe.
Nesse sentido, o documentário acaba sendo, antes de qualquer outra coisa, uma resposta à semiótica maniqueísta e vilanizadora da grande mídia aplicada sobre figurões da esquerda brasileira e da Petrobras. Porém, enquanto "Democracia em Vertigem" opera com maestria nesse aspecto, falha em vários outros ao não explorar tanto o material que a diretora tem em mãos quanto deveria, além da falta de planejamento temporal da obra. Ao pular todo o processo eleitoral de 2018, principal consequência da desestabilização democrática no país, Petra acaba se mostrando ainda imatura para tratar, cinematograficamente, sobre o assunto. Dá-se, então, ao espectador um resultado final não inovador que injeta poesia rasa e impessoal em tudo, subestimando a capacidade interpretativa de seu público e ficando muito aquém das promessas de seu nítido primeiro ato. 5/10.