Infiltrado no Klan e seus flertes com o mundo atual
Nesses últimos anos, Spike Lee muitas vezes ora desenvolve magistralmente apenas a misè-en-scène, como em "Pass Over", ora a cosmologia de seus filmes, como em "Chi-Raq". Mas não se pode negar que ele é um mestre das narrativas e sempre vem com uma premissa completamente original (tirando raras exceções como o remake de "Oldboy" que não acrescentou nada ao original coreano).
No entanto, seu filme mais recente, "BlacKkKlansman", consegue equilibrar as duas coisas muito bem, podendo ser comparado aos seus filmes mais memoráveis como "Malcolm X" e "Do The Right Thing".
Baseado em uma história verídica, o longa retrata a dura missão de Ron Stallworth, um jovem policial negro, em desmascarar a célula local do Klu Klux Klan ao mesmo tempo em que tenta prevenir que a polícia tenha motivos para interromper as atividades da União de Estudantes Negros local.
Instalado em um universo cheio de contrastes (seja pela paleta de cores variadas que dista do tema sombrio da narrativa, ou então pelo uso intercalado de canções e discursos que os dois grupos antagônicos ouvem a fim de reforçar suas convicções), o filme consegue equilibrar muito bem seus núcleos sem que o espectador se perca graças à edição que também deixa espaço para doses generosas de bom humor entre os policiais, principalmente no início dos dois últimos atos.
São altas também as taxas de angústia e medo em função de uma abordagem corajosa de problemas sociais que o filme evoca, uma das marcas registradas do cineasta. O longa se abre com um monólogo do personagem do Alec Baldwin que convoca os protestantes brancos para uma perseguição aos negros pois estes os prejudicam. Mais a frente, esse sentimento de opressão evoluirá à paranoia e desespero antes do fim do primeiro ato e se perpetuará alcançado seu clímax na última cena com o apoio de outro artifício de Lee: o Double Dolly Shot.
Há chances de no fim da exibição o espectador sentir que arcos de alguns personagens não são dos mais críveis. Além do romance entre Ron e Patricia, que é comprometido por preconceitos de ambos sobre suas ocupações, tanto os policiais abertamente racistas quanto os membros absurdamente ignorantes do Klu Klux Klan parecem ser meros frutos caricatos da liberdade criativa que Lee tomou na hora de adaptar o livro escrito pelo verdadeiro Stallworth.
Entretanto, na que eu elegi como sendo a cena mais icônica do filme, durante a iniciação de Flip Zimmerman seguida da exibição de "Nascimento de Uma Nação" do D. W. Griffiths, um idoso narra ao UEN a história de seu amigo de infância Jesse que foi morto e castrado por uma acusação mal embasada de um júri supremacista. Acontece que uma parte do testemunho desse idoso retrata exatamente o que está acontecendo naquele exato momento na sede da "Organização", como os membros do KKK se autodenominam, sendo que na ocasião seu líder, David Duke, suplica aos seguidores para que priorizem a América acima de tudo, além de trazer um caráter dúbio à expressão “pessoas de bem”.
Fica clara então a intenção do realizador em apontar um retrocesso da sociedade atual aos tempos de barbárie. Ainda assim, ele toma uma atitude muito pessoal em explicitar ainda mais sua mensagem nos créditos finais, mas cumpre o que propõe e acaba que não compromete muita a experiência, ainda mais se comparado com a recompensa do "jive" que o espectador recebe um pouco antes.
Conciliando de uma forma extraordinária um drama social com boas doses de comédia em um ambiente essencialmente urbano, Spike Lee se apresenta mais uma vez em sua forma mais pura, mas se perde quando abandona a sutileza da mensagem. 9.7/10
Fica clara então a intenção do realizador em apontar um retrocesso da sociedade atual aos tempos de barbárie. Ainda assim, ele toma uma atitude muito pessoal em explicitar ainda mais sua mensagem nos créditos finais, mas cumpre o que propõe e acaba que não compromete muita a experiência, ainda mais se comparado com a recompensa do "jive" que o espectador recebe um pouco antes.
Conciliando de uma forma extraordinária um drama social com boas doses de comédia em um ambiente essencialmente urbano, Spike Lee se apresenta mais uma vez em sua forma mais pura, mas se perde quando abandona a sutileza da mensagem. 9.7/10