Paul Schrader, por ser mais agraciado como roteirista (através inúmeras colaborações com Scorcese, como "Taxi Driver",
"Touro Indomável" e "A Última Tentação de Cristo") do que como diretor ("Gigolô Americano", "Temporada de Caça" e "O Acompanhante"), nunca havia me achado tanta atenção atrás das câmeras, mas quando eu vi que o nome dele na lista de vencedores do Festival de Veneza do ano passado fui atrás de assistir a First Reformed o mais rápido possível.
O longa que estrela Ethan Hawke e Amanda Seyfried, e retrata o desespero de um pastor calvinista de uma pequena congregação do norte de Nova Iorque em função da morte de um ambientalista, (passeando dentro de temas complexos como o extremismo contido na mente dos millenials, hipocrisia dentro da igreja e, é claro, fé), não só é um ótimo filme como também um dos mais completos e diferentes do ano até então.
É de praxe, entre os diretores da geração de Schrader, estabelecer o tom do filme logo no plano de abertura. Com um lento fade-in do ambiente composto de cores neutras que envolve a igreja, podendo-se notar um close na fachada branca da First Reformed quando a imagem já está mais nítida, acompanhado por sons cacofônicos da natureza desde o crocitar de um corvo até a fadiga humana, Schrader busca mostrar que esse filme não é dos mais convidativos, mesmo que aos poucos o longa ofereça ao espectador uma boa recompensa no final.
Recompensa essa que, para muitos, não virá, levando em conta a infinidade de interpretações que o final aberto oferece. Final aberto, inclusive, que é apenas uma das várias referências à grande influência de Schrader pra esse filme, o minimalista francês Robert Bresson. Para se ter uma ideia o plot de First Reformed é inteiramente baseado no título de um filme do francês, "Diary of a Country Priest". Ainda assim, Bresson não é a única grande personalidade do cinema que é ressuscitada no longa; Há muito de Travis Bickle, personagem de "Taxi Driver" que Schrader escreveu em 75, no reverendo Toller, vivido por Ethan Hawke. Desde a clara busca do "para onde apontar" de suas bússolas morais, passando pela solidão por opção, até os traumas vividos no dia-a-dia que os deixaram tanto inabaláveis quanto niilistas convictos em relação à humanidade, o que atinge seu clímax no mais recente trabalho de Schrader durante a mudança das imagens mostradas no chroma key da cena do "Magical Mystery Tour".
A mise-en-scène, por sua vez, sempre busca mostrar o padre como alguém ordinário, às vezes até inferior, em relação aos outros usando a iluminação, por exemplo, para deixar seu personagem sob as sombras de seu superior. O posicionamento da câmera também se mostra relevante em busca de transmitir essa imagem, como com plongées perpendiculares em relação ao chão, dando a impressão que ele está sendo assistido por cima. Ethan Hawke também colabora ao trazer ao máximo a apatia necessária para seu personagem durante o primeiro ato para então, no segundo, se esforçar em investigar algo que, com uma tragédia inesperada, ficou sem explicação.
Com o segundo ato se iniciam os questionamentos religiosos do filme. "Deus nos perdoaria pelo que fazemos com sua criação", "Se esse é o seu plano, por que ele gostaria de fazer isso?" e "Se Jesus tomou para si os nossos sofrimentos, por que ele nos permite sofrer mesmo quando sempre damos a outra face?" são os mais identificáveis ao longo do segundo ato. Além disso, pelo menos com o arco do Toller, começa a bater de frente a noção sociopata do
human of late capitalism que o oprimiu há tanto tempo, já que agora ele percebe que tudo é efêmero, principalmente com o ser humano acelerando o prazo de validade de sua existência, o que o diretor busca saturar com o personagem do Ed Balq.
Até este momento o filme demonstra ser ultrarrealista, mas com a tomada psicodélica do "Magical Mystery Tour" eu, pessoalmente, comecei a encarar o filme como alegórico. Quem sabe, até tentando dialogar com "MÃE!" do Aronofsky, considerando que pode-se traçar um paralelo entre a ação da humanidade sobre a Terra com a saúde do reverendo, além do mesmo escapar da morte com ajuda de uma mulher chamada Mary grávida de um menino.
E mesmo deixando isso de lado, "First Reformed" atinge sucesso em ser o filme mais completo e diferente do ano até o momento por abranger de forma razoavelmente profundo tantos temas relevantes nos dias de hoje. Nota 10