"Tangerines" - O retrato dos conflitos no Cáucaso pós-URSS
Ivo, um dos últimos camponeses que ficaram em sua região, que se tornou campo de batalhas entre chechenos e georgianos no início dos anos 90, não só ajuda seu vizinho na colheita de tangerinas como também prevê um conflito desnecessário após dois soldados de exércitos divergentes ficarem feridos em um tiroteio em frente a sua casa, o obrigando a ajudar na recuperação de ambos enquanto um ameaça à morte constantemente o outro.
Com um ritmo suave, tendendo ao arrastado, o diretor de fotografia, Rein Kotov, opta por uma predominância do movimento da câmera para que o tom de monotonia do segundo ato não prejudique ainda mais o filme. Aliás, eu não pude identificar sequer um plano estático no longa inteiro.
Narrativamente, entretanto, ele chega perto de ser impecável. Dosando precisamente o drama pessoal com a ação, o longa nos oferece uma visão ampla de uma guerra quase que civil onde todos se tratam com desconfiança pelo fato de ser difícil de diferenciar membros dos dois exércitos.
O conflito inicial de "Tangerines", como já dito, se estabelece com dois soldados de frentes opostas que buscam vingança um do outro pela morte dos parceiros enquanto se recuperam de um tiroteio na casa de um pacifista. A construção de um conflito complexo como este é algo muito difícil de alguém acertar completamente e, infelizmente, esse filme não acerta.
Entre os poucos defeitos do filme esse é sem dúvidas o mais comprometedor. O roteiro co-escrito por Zara Urushadze e Tatjana Mülbeier não investe em uma profundidade necessária num sentimento de rancor e ódio entre os dois até que seja tarde demais e eles façam as pazes devido ao amor que Ivo emana. Até lá a motivação mais crível para um querer matar o outro é quando um chama o outro de ignorante por escolher defender o lado "errado" da causa, o que não deixa de ser um paralelo com o que ocorre nas redes sociais atualmente. Por outro lado, a resolução desse conflito raso traz como fruto um clímax narrativo e técnico (no trecho a produção evidencia sua maestria na edição de som e fotografia em um fascinante plano sequência) que de tão absurdo o torna o mais realista o possível dentro do contexto daquela guerra.
Sendo um filme pequeno, o proporcionalmente diminuto perece, de início, não ons prometer muita coisa, mas aos poucos os 4 protagonistas vão entregando performances intimistas e cheias de nuances, considerando que as características mais notáveis dos personagens são dificilmente identificadas, sendo a única exceção a compaixão de Ivo.
Com menos de 90 minutos Zara Urushadze não só conscientiza o espectador sobre a pouco conhecida, porém devastadora, Guerra da Abcázia, como também passa uma mensagem de tolerância sem ser moralista, tampouco irritante, ainda dando tempo de utilizar uma oportuna metáfora entre uma colheita de tangerinas e a fé na humanidade, apesar de alguns pormenores narrativos que não chegam a estragar tudo o que acabei de relatar. 7.5/10
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