Coringa - subversão da ordem dentro do conservadorismo imagético
O novo longa de Todd Phillips, adaptação fílmica da história de origem do vilão mais notório da DC, desde o início, mostra-se pretensioso à medida em que, ao mesmo tempo, aborda temas como o sucateamento dos serviços sociais e o abandono parental da maneira mais crua possível e busca relacioná-los à mudança de comportamento do protagonista devido às imposições de seu diminuto microcosmos. Porém, toda essa pretensão, ainda que justificável para apresentar um caminho realista que o personagem terá que percorrer até despertar sua face mais sombria, falha consideravelmente por prender-se muito à estrutura de outras obras de ficção aclamadas que dialogam com a temática do longa. Assim, surge certa contradição entre a pregação das razões profundas por trás dos atos de subversão de ordem e o conservadorismo imagético para atingir esse objetivo.
De um modo geral, é uma obra mediana. Ainda que haja uma excelente apresentação do personagem, grandes ideias pontuais e alta qualidade técnica que acabam sendo bem executadas devido à competência dos artistas, como toda a cena do metrô no dia das manifestações contra Wayne, a fotografia que flerta com o noir dos quadrinhos, e com os planos holandeses da filmografia de Carol Reed, mas também explora uma paleta de tons pastéis semelhante à maior inspiração estilística ao filme, "O Rei da Comédia" do Scorcese, e a precisa atuação de Joaquin Phoenix (apesar de sempre ter se mostrado um grande talento na área, não poderia imaginar que era um ator tão físico e mimético quanto Chaplin), raramente é proposto algo de novo na maneira de conduzir uma das (senão a) questões mais importantes do longa, que é, justamente, a transgressão do indivíduo em uma sociedade igualmente doente ao mesmo.
É basicamente uma enorme compilação dos melhores momentos do que hoje em dia seria rotulado de "cinema incel" (aí entra "Taxi Driver", o próprio "Rei da Comédia", "Drive", "Nightcrawler", etc.) envernizado do que o espectador quiser chamar mas que, como bem explicado pelo Igor Nolasco, se resume em um gradual processo de maturação sexual. Porém, Todd Phyllips opta por conduzir essa excelente premissa de um jeito extremamente simplório: quando não está subestimando seu público tal qual um Nolan pós-Inception na hora de representar essa alegoria (a maneira como trata o arco da personagem da Zazie Beetz pode ser o maior exemplo disso), parte para a explicitação da mesma através do questionamento de um hipotético limite do humor em que o protagonista se coloca em situações desnecessariamente escrachadas na qual sua "comédia" é posta à prova e o espectador terá que decidir qual a reação mais moralmente aceita para a performance de Fleck (a cena em que Randall e Gary visitam Arthur em seu apartamento e a participação do palhaço no show do Murray Franklin são as mais explícitas, nesse aspecto).
A maneira que o diretor optou em estruturar, de forma ampla, a história semelhante a uma piada clássica (set-up e punchline) também é de uma imensa inteligência, ainda mais considerando que Phillips claramente posterga a punchline ao máximo a fim de experienciarmos uma vagarosa escalada do absurdo semelhante ao último longa do Lars von Trier. Porém, mais uma vez, apesar de não acreditar que "A Casa que Jack Construiu" entre no espectro das "inspirações", o longa aborda essa estrutura de maneira muito derivativa, mais uma vez, a "O Rei da Comédia", além de "Cecil B. Demented" e "Gringo", no sentido de aderir a uma brusca aceleração do que é ditado a fim de quebrar as expectativas do público com tudo o que fora apresentado até então em relação à maneira com que Fleck aborda sua nova paixão à violência. Esse recurso não funciona de forma plena aqui devido ao conhecimento geral da imprevisibilidade do personagem devido à sua aparição em várias outras obras (seja no cinema, na TV ou nos quadrinhos) nas quais reitera-se seu potencial ao terrorismo gratuito.
Dessa maneira, além de ser quase que totalmente amarrado a inúmeras obras verdadeiramente transgressoras, o único laço que o filme possui para uma possível unidade estilística é seu protagonista, o que faz de "Coringa" muito frágil em relação à mise-en-scène. As excelentes sementes que o diretor planta ao longo da trama eventualmente semeiam, mas parecem se confrontar, o que aparentam sugerir certas ambiguidades (que Arthur Tuoto, inclusive, chegou a identificar em sua crítica) dignas da psiquê do personagem-título, mas que raramente se concretizam, justamente, devido à falta de quebra dos padrões que o filme inicialmente promete. Assim, através das duas horas do longa, os problemas com o mesmo se acumulam ininterruptamente à medida em que novas ideias não param de ser apresentadas até o início do 3º ato, reconhecendo seu caráter fraco, completamente contrário ao que "Coringa" propõe com o amadurecimento de seu protagonista.
A maneira que o diretor optou em estruturar, de forma ampla, a história semelhante a uma piada clássica (set-up e punchline) também é de uma imensa inteligência, ainda mais considerando que Phillips claramente posterga a punchline ao máximo a fim de experienciarmos uma vagarosa escalada do absurdo semelhante ao último longa do Lars von Trier. Porém, mais uma vez, apesar de não acreditar que "A Casa que Jack Construiu" entre no espectro das "inspirações", o longa aborda essa estrutura de maneira muito derivativa, mais uma vez, a "O Rei da Comédia", além de "Cecil B. Demented" e "Gringo", no sentido de aderir a uma brusca aceleração do que é ditado a fim de quebrar as expectativas do público com tudo o que fora apresentado até então em relação à maneira com que Fleck aborda sua nova paixão à violência. Esse recurso não funciona de forma plena aqui devido ao conhecimento geral da imprevisibilidade do personagem devido à sua aparição em várias outras obras (seja no cinema, na TV ou nos quadrinhos) nas quais reitera-se seu potencial ao terrorismo gratuito.