Bacurau - Carpenter encontra Sganzerla
O Western codirigido por Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles conta a história de um povoado no interior nordestino que se vê sob uma ameaça invisível que tem como objetivo desaparecer com a existência daquele lugar. Porém, ele vai muito além disso e se apresenta como algo que transcende a própria mensagem de resistência ao atual cenário político do país que o longa busca passar.
O foco é muito mais voltado ao coletivo, relembrando o primeiro longa de Kléber, "O Som ao Redor". A cidade é, claramente, a protagonista. Há muito tempo não víamos uma decupação do espaço tão eficiente quanto nesse filme. O aglomerado é orgânico: ainda que seus habitantes sejam sujeitos na trama, a peculiaridade da exploração espacial realizada pelos diretores demonstra, desde o 1º ato, que aquele lugar é muito mais do que aparenta. Assim, a massa se torna uma única e organizada entidade que sempre saberá mais sobre o ambiente do que o espectador.
Isso ajuda, inclusive, a antropofágica fusão de Sganzerla com Carpenter (homenagem que alcança o plano físico com a fachada em ruínas da Escola Municipal João Carpinteiro) através de uma crescente tensão que explicita a desconstrução do estereótipo do povo sertanejo como um povo simples. É Euclides da Cunha realocado para os dias de hoje. A já citada invisível ameaça (pelo menos ao longo da primeira hora do filme) é notada até pelo mais ingênuo dos moradores, mas isso não os abala profundamente justamente pela grandiosidade da massa.
O microcosmo de Bacurau revela um utilitarismo intrínseco a uma gente tão heterogênea quanto o público do filme. Domingas, DJ Urso, Pacote, Teresa, Plínio, Lunga (destaque pro certeiro insight de João Pedro que enxergou uma mistura de Playboy Carti, Lynn da Quebrada e Antônio das Mortes no personagem. Há muito tempo o cinema nacional não tinha um personagem como ele) e até o violeiro se concentram em favorecer o coletivo e somente isso, independente dos meios. O 3º ato é a mais forte manifestação dessa visão, sendo esse o mais cinematograficamente interessante, considerando a condição de Bacurau" enquanto filme de gênero.
Depois de TUDO, cada um segue com sua vida, mas ninguém vai poder mexer nos cantos. A guia do museu resume tudo "Quero que deixe como está...infelizmente". Há erros que não podem ser ignorados em prol de uma possível "celebração do cinema nacional" que o longa proporciona para alguns. "Bacurau" e Bacurau são o que são apenas por serem honestos consigo mesmos, mas do que isso adianta se quem assiste reduzirá a obra à ideologia que a acompanha? Acima de tudo, o longa merece ser visto como cinema e não como mera metáfora política pois é um filme maior que tudo isso.
O foco é muito mais voltado ao coletivo, relembrando o primeiro longa de Kléber, "O Som ao Redor". A cidade é, claramente, a protagonista. Há muito tempo não víamos uma decupação do espaço tão eficiente quanto nesse filme. O aglomerado é orgânico: ainda que seus habitantes sejam sujeitos na trama, a peculiaridade da exploração espacial realizada pelos diretores demonstra, desde o 1º ato, que aquele lugar é muito mais do que aparenta. Assim, a massa se torna uma única e organizada entidade que sempre saberá mais sobre o ambiente do que o espectador.
A mensagem de que a união faz a força é clara e essa clareza se perpetua ao longo das mais de duas horas de duração. Não há entrelinhas e os motivos são tão claros quanto a obra em si. A crueza do que está em tela se distancia de qualquer possível símbolo ou alegoria, uma vez que fala-se do povo e esse é um dos públicos alvos, então o ideal é ser tão democrático quanto puder. É puro Cinema Marginal. A ideia não é estender a questão através de uma discussão após o término da projeção porque o que move tudo é a inerência da imagem e dos diálogos, é a onisciência da câmera: nada mais importa além do próprio filme .
No entanto, essa virtuosa objetividade se excede em alguns pontos, incluindo o maior defeito do longa. Há os heróis e os vilões e esses vilões são exclusivamente vilões. Esse maniqueísmo compromete muito do que foi realizado até então, indo até mesmo na contra-mão da linguagem carpenteriana. Ainda que seja válida a contraposição do individualismo desses vilões ao coletivismo dos heróis do povoado, qualquer coisa mais profunda que isso é descartada e o que se vê é a mais simplista e decepcionante personificação do mal.O microcosmo de Bacurau revela um utilitarismo intrínseco a uma gente tão heterogênea quanto o público do filme. Domingas, DJ Urso, Pacote, Teresa, Plínio, Lunga (destaque pro certeiro insight de João Pedro que enxergou uma mistura de Playboy Carti, Lynn da Quebrada e Antônio das Mortes no personagem. Há muito tempo o cinema nacional não tinha um personagem como ele) e até o violeiro se concentram em favorecer o coletivo e somente isso, independente dos meios. O 3º ato é a mais forte manifestação dessa visão, sendo esse o mais cinematograficamente interessante, considerando a condição de Bacurau" enquanto filme de gênero.