You Were Never Really Here - a maturidade compulsória diante de uma tragédia
Dirigido pela sistemática Linne Ramsay e estrelado por Joaquin Phoenix, fazendo aqui sua melhor performance desde "O Mestre", "You Were Never Really Here" conta a história do matador de alguel Joe, que recupera menores de idade sequestradas e vê perder tudo o que tem durante o resgate da filha de um senador.
Situado em um ambiente onde a lei vigente parece ser a de que os fins justificam os meios, somado com os traumas que suas profissões passadas e a atual vieram trazendo, Joe se tornou um indivíduo frio. No entanto, a presença de sua mãe e de seus "gerentes" estão lá para atuar como suporte para ele, uma vez que sua humanidade ainda não foi esgotada, o que também pode ser dito sobre sua sanidade.
Flertando com Klimov, Ramsay propõe a entrada do espectador à mente de Joe com a interferência nos sentidos. A edição de som e uma trilha sonora propositalmente cacofônica sucedem nessa aposta com cenas, especialmente as emocionalmente dantescas cenas do lago e do espelho do motel. Assim como a direção de fotografia de Thomas Townend conseguiu fazer um bom trabalho com a alteração de planos e iluminação no momento em que Joe tem uma epifania na transição do 2º para o 3º atos.
A constante contemplação do suicídio do protagonista, à primeira vista, parece ser apenas mais um dos hábitos estranhos do mesmo decorrentes dos traumas sofridos na infância e no exército. Todavia, quando conhecemos a peculiar relação entre Joe e sua mãe, nota-se que isso faz parte de seu senso de humor, o que só se modifica com uma tragédia.
E a partir dessa tragédia, o matador, sendo previsivelmente imprevisível, não age diferentemente de como as demais pessoas agiriam. Enquanto trata os causadores dessa tragédia com uma razoável misericórdia, ele aceita quase que repentinamente o que acabara de presenciar. Agora, sem mais nada a perder, Joe surpreendentemente se torna mais objetivo com suas ações e não leva suas tarefas para o lado pessoal.
Desabando ao ver que seu trabalho já havia sido concluído por outro, o protagonista vê que nem mesmo a última coisa que lhe definia. Mesmo podendo ter acabado nesse momento de angústia extrema e perda de identidade que resume todo o filme, um estudo de personagem sobre um indivíduo que passa por uma tragédia e a partir dela se vê na obrigação de utilizar a sanidade que lhe resta para conseguir amadurecer, o longa se extende por mais 10 minutos sem nenhuma importância no enredo, inclusive arriscando tudo o que foi construído até ali com uma cena produzida com a mesma mentalidade de alienação da filmografia do Lanthimos.
Desde o começo deixando clara as inspirações para o roteiro, indo de Bogdanovich a Kubrick, sempre com uma ênfase maior em "Taxi Driver", Ramsay repete a meticulosa jornada por uma mente perturbada tão comum em seus trabalhos, mas agora com um universo menos realista. Com dois atos impecáveis e um terceiro extremamente ousado, o longa não explora todo o seu potencial: os últimos 10 minutos não são somente desnecessários, mas também poderiam ser facilmente substituídos por algo mais crível que de fato amarrasse o arco de um excelente protagonista com seu devido respeito. 9/10