Isle of Dogs - O mais original de Wes Anderson
A última animação de Wes Anderson é tudo o que “Okja” quis ser mas não conseguiu. Além de finalmente me vender a ideia de uma instituição que desrespeita os direitos dos animais em busca de atingir um objetivo quase que totalmente pessoal em relação ao controle de massas, o roteiro (co-escrito pelo sobrinho do Francis Coppola), introduz e desenvolve de forma excelente núcleos coadjuvantes que conseguem extrair o absurdo dentro do mundano (o que é, na minha opinião, aquilo que Anderson faz de melhor), diferente do que Bong Joon-Ho não conseguiu com a trama paralela do personagem do Jake Gyllenhaal.
Sendo esta apenas a segunda animação de Wes Anderson, alguns erros técnicos que pudemos ver em “O Fantástico Sr. Raposo” reaparecem aqui, principalmente com a locomoção dos personagens. Ainda assim, estes pequenos vícios são relativizados dentro de uma enorme variedade de virtudes em relação aos traços autorais do diretor, desde a sutil predominância de tons pastéis na fotografia até a célebre simetria em praticamente todo quadro, além da enorme criatividade em introduzir o contexto do porquê haver a Ilha dos Cachorros a partir de uma esquete à la “Ilha das Flores”.
O non-sense reina aqui: “Ilha de Cachorros” faz o melhor uso desta já conhecida estratégia que o cineasta usa para instalar o conflito principal. Não só pelo simples motivo que no mesmo é oferecida certa carga emocional desde o primeiro momento, mas também pelos próprios personagens questionarem certos comportamentos humanos nos cachorros que até certo momento não havíamos nos perguntado, como a razão para o personagem que Jeff Glodblum dubla saber tanto sobre o que acontece fora da ilha ou o por quê da Oráculo (Tilda Swinton) poder prever o futuro. Além disso, algumas coincidências (aliás, o filme trabalha muito bem coincidências sem que pareçam forçadas) aparecem nos principais plot points que nos fazem perguntar o que está acontecendo. A partir do momento que o diretor opta por uma estrutura temporal não linear para nos auxiliar a entender essas coincidências, este se torna confuso, expondo o principal defeito do filme.
A trama principal do longa também não deve nada a qualquer outro sobre a relação cão-homem. Existe um diálogo entre Nutmeg, personagem canina dublado por Scarlett Johansson e Chief (Bryan Cranston) que evidencia o conflito interno deste último:
-E por que deveria ajudar o pequeno piloto?
-Porque ele é um menino de 12 anos; cães amam esse tipo.
O fato de Chief ter sido rejeitado por uma família humana devido à um instinto dele resultou em uma extrema desconfiança sobre pessoas, mas quando se vê na necessidade de colaborar com uma criança, ele passa a rever todos os seus princípios. Tudo isso explorando comportamentos caninos de uma forma soberba. Aliás, grande parte do humor coerente presente no filme se deve à maneira bem-humorada e curiosa que são abordados hábitos comuns de cães que quase nunca percebemos.
Desde uma intérprete do prefeito até uma aluna de intercâmbio, o filme obtém êxito em explorar maneiras criativas de superar a barreira linguística do japonês, o que torna incoerente as suspeitas de white washing que o filme veio sofrendo. Isto sem contar da homenagem à música japonesa nos créditos iniciais.
Pela primeira vez, em um filme de Wes Anderson, a história em si supera o estético. “Ilha de Cachorros” pode não ser o melhor filme dele (“Moonrise Kingdom” permanece neste posto, na minha opinião), mas ao menos tem o melhor roteiro do cineasta (junto com Roman Coppola). Explora um humor sutil e sombrio, possui personagens icônicos mas não tão caricatos quanto em “O Fantástico Sr. Raposo”. Tem uma dublagem valorosa, mérito não só dos atores de peso, que também mostraram o talento apenas com a voz, mas da mixagem de som; e é definida por uma atmosfera ímpar, muitas vezes acompanhada por uma canção folk, sendo esta apenas uma das infinitas marcas registradas de Anderson que podemos identificar na animação. 8.5/10